A última sexta-feira, 30, marcou o desfecho de um dos crimes que mais chocaram o país: o assassinato do ator Rafael Miguel — que ficou conhecido por interpretar o personagem Paçoca na novela Chiquititas — e dos seus pais, Miriam e João, por Paulo Cupertino, pai de Isabela Tibcherani, que namorava o artista. Depois da sessão da 1ª Vara do Tribunal do Júri de São Paulo, o juiz Antonio Carlos Pontes de Souza condenou o acusado a 98 anos de prisão pelo triplo homicídio, com o agravante do motivo torpe — o sentimento de posse em relação à filha e a não aceitação do namoro com Rafael Miguel.
Cupertino ficou anos foragido da Justiça, usando nomes falsos e disfarces. VEJA teve acesso aos vídeos que registram o seu interrogatório perante o Júri na última sexta. Ao longo de mais de duas horas, o acusado deu sua versão sobre os fatos, negou ter matado Rafael Miguel e, em alguns momentos, desafiou a Justiça e os policiais presentes. Segundo a versão de Cupertino, outra pessoa — que ele chama de “vagabundo” — teria matado Rafael Miguel e os pais, e ele presenciou o crime, mas foi “omisso” ao não conter o suposto criminoso.
“Eu sou capaz de coisa pior, Excelência, para defender um filho meu. Para defender família minha”, disse Cupertino nos primeiros minutos do seu depoimento (assista abaixo). “Eu fui covarde. Mas eu não fui covarde por ter matado o seu João e a senhora Miriam. Eu fui covarde porque eu podia ter evitado, policial. Eu podia ter evitado a cena. Porque quando eu vi a cena, o vagabundo que estava lá, eu tinha força suficiente…”, falou o acusado sobre o suposto triplo assassinato que teria presenciado, antes de mudar de assunto. Em diversos momentos, ele apresentou falas desconexas e chegou a se levantar e se virar para falar com a plateia, sendo advertido pelo juiz a permanecer sentado e tratar as pessoas do júri com “urbanidade”.
“Como eu coloquei inicialmente, se eu tivesse metido a mão no peito do vagabundo e falado ‘aqui não, aqui é minha família; aqui não, aqui é meus conhecidos, então aqui você não vai meter a cara’, eu teria essa força, viu? Eu teria essa força lá. Eu teria, entendeu? Por quê? Só que eu fui omisso. Quando eu saio, que eu me deparo com a situação, simplesmente eu desvio. Desculpa, desculpa, desculpa. […]. Só que nisso eu errei, porque quem tava naquele momento ali era o pai, uma mãe e um filho. Só que para mim o vagabundo não ia matar”, disse no interrogatório.
Ele também desafiou os jurados do seu caso. “Se acontecer de vocês me condenarem, de vocês, tiverem certeza absoluta que realmente eu, o Paulo — não é advogada, nem promotor — conscientemente como pai, como mãe, como ser humano, e me colocarem realmente na cena do crime que sou eu, não vem com cadeinha de 20 anos, 30 anos não, que eu não quero, hein? Tem que ser chapoletada, porque é um triplo homicídio.”
Ele disse que existia uma espécie de “conchavo” entre a mãe de Isabela e a filha para que ele não soubesse do namoro com Rafael Miguel, e falou que era um pai “presente”. No entanto, de acordo com a denúncia do Ministério Público e com os depoimentos dos familiares no processo, Cupertino tinha o hábito de ser violento com todos dentro de casa.
Lula e Bolsonaro
Até o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-presidente Jair Bolsonaro fizeram parte do que Cupertino disse no interrogatório. A defesa do acusado perguntou a ele sobre o comportamento de Isabela. Ele respondeu que achava que a filha havia sido “induzida, abduzida”, e depois fez a comparação com os dois políticos. “Por que que Bolsonaro foi lá e falou que tomou a vacina e não tomou? Por que que Lula falou que tem um histórico… então, o que quer dizer?”
A decisão do Júri da última sexta é provisória. Cupertino ainda pode recorrer em pelo menos duas instâncias — o Tribunal de Justiça de São Paulo e o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Se a defesa evocar matéria constitucional, pode chegar ao Supremo, mas é raro que casos como esse cheguem até essa instância.