As vaias se sobressaíram aos aplausos na recepção ao presidente Lula na marcha dos prefeitos em Brasília nesta terça-feira. O petista poderia ter passado batido pelos apupos, mas acusou o golpe ao dizer que nunca fez distinção partidária ou ideológica para atender a municípios e seus representantes em todas as vezes que ocupou o Planalto. Sua fragilidade diante de um cenário cada vez mais adverso, em que as crises, em vez de ser debeladas, vão se somando, é cada vez mais notória.
O contingente que compareceu ao evento anual dos prefeitos é aquele que emergiu das urnas no ano passado, sem que o entorno de Lula desse a devida importância: administradores oriundos de partidos do Centrão, em grande parte reeleitos ou eleitos com apoio de gestores alimentados à base de emendas direto na veia. Esses políticos são dissociados de qualquer vínculo mais forte com o Planalto, por isso não estão nem um pouco preocupados em demonstrar um tipo de gratidão com que Lula se acostumou nos mandatos anteriores — e não entendeu que não existe mais.
O presidente também tem demonstrado em público outro tipo de desamparo, que as vaias realçaram: a ausência de assessoramento firme, que o tire de constrangimentos públicos cada vez mais frequentes e lesivos à sua imagem. Ele não parecia ter sido suficientemente alertado sobre a enorme possibilidade de enfrentar protestos ao comparecer ao palco de um evento composto por esse público. É inacreditável, já que as vaias já haviam acontecido no ano passado.
Sua fala com críticas ao Judiciário para afagar os que tinham acabado de vaiá-lo também não teve nexo. Lula sempre foi crítico ao orçamento secreto e ao avanço do Legislativo sobre a destinação de recursos públicos, retirando a possibilidade de o Executivo alocar verbas para seus programas prioritários e atrofiando sua capacidade de articulação política.
Acuado pela hostilidade da marcha, embarcou numa linha de argumentação sem pé nem cabeça, segundo a qual não se deve judicializar tudo sem “esgotar” a negociação política, justamente o que seu governo faz sistematicamente, recorrendo ao Supremo quando não tem maioria no Congresso.
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O aceno veio logo depois de o presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Paulo Ziulkoski —que, diga-se, não é prefeito de nenhum município desde 2004!— demonstrar indignação pelo “absurdo” de prefeituras terem de apresentar projetos para obter acesso a recursos de emendas e recomendar aos gestores municipais que “abram o olho” para o que considera arbítrio do Judiciário. Realmente, o grau de desfaçatez consentida por um presidente acuado não poderia ser maior.
Que dizer do morde-assopra que o presidente pratica em público em relação a seus principais assessores, prolongando o desgaste causado pela inapropriada intervenção da primeira-dama, Janja da Silva, no jantar com a cúpula do governo chinês?
O próprio Lula resolveu fazer um embaraçoso desagravo público a Janja quando o assunto veio à tona. Depois, foi ele quem passou um sabão nos próprios ministros no voo de volta. Não satisfeito em esticar a lambança diplomática, escolheu o palco onde já tinha sido recebido entre palmas e apupos para fazer um carinho no titular da Casa Civil, Rui Costa.
Ao explicitar a principal de muitas críticas ao ministro, de que não deixa nada andar no governo, lavou de novo roupa suja em público e mostrou que as mudanças até agora, sobretudo na cozinha do Planalto, não trouxeram rigorosamente nada em termos de ganho de eficiência, capacidade de articulação parlamentar e, como se viu com a reação dos novos prefeitos, de composição política, atributos essenciais para o governo sair do lodaçal de crises em que a cada semana se afunda mais.