“O agente secreto” abre com “Nosso filme se passa em 1977, uma época cheia de pirraça”. A trama envolvendo um acadêmico, vivido por Wagner Moura, perseguido por matadores de aluguel contratados por um empresário, faz, sim, diversas provocações, algumas irônicas, outras nostálgicas, em relação ao período recente da história do Brasil em que a sombra do autoritarismo e da repressão pairava sobre o país.
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— Essa introdução foi a melhor maneira que encontrei para evitar certas contextualizações caretas, como: “França, 1943. O país estava ocupado por tropas nazistas” — diz Kleber Mendonça Filho, que venceu o prêmio de direção em Cannes, repetindo o feito de Glauber Rocha em 1969, com “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro”. — Mas “pirraça” é uma atenuação, porque o que estava acontecendo ali ia muito além de uma simples pirraça.
Espera prêmios em Cannes?
Acho que aumenta o reconhecimento do filme, a quilometragem dele. Mas estou muito focado nas sensações deixadas pela première de domingo passado, nas conversas com a imprensa. “O agente secreto” tem recebido uma reação que o dinheiro não compra.
De que forma Wagner Moura moldou esse projeto?
O desejo de trabalhar com ele me levou a escrever o roteiro. Uma vez sentado na frente do computador e com meu bloco de anotação, comecei a pensar muito sobre Wagner, o ator, o astro, a pessoa. E uma coisa que entendi é que não queria vê-lo empunhando uma arma. Nunca estabeleço regras, nem limitações, mas a única regra que me impus nesse roteiro foi que o personagem ia ser incrível, identificável, cheio de empatia, um movie star, mas ele não iria sair atirando. Porque eu acho interessante para Wagner e para esse filme isso ser surpreendente nesse caso.
Talvez porque a imagem dele ainda esteja muito ligada à do Capitão Nascimento…
“Tropa de elite” e sua continuação tiveram uma importância muito grande na cultura pop brasileira. São filmes que movimentaram muito a energia do cinema brasileiro e do púbico, e acho que sedimentou essa imagem do Capitão Nascimento, o policial violento. A série “Narcos” também. E acho que essa coisa de não pegar em arma aumenta a sensação de que o personagem de Wagner é um homem normal, um cara tentando viver com o filho, um acadêmico. Há outros personagens que que se encarregam dessa violência. O personagem mesmo fala isso duas vezes: “Eu não ando armado.” Acho que a gente está bem com intriga, mistério, troca de nome, de aparência, gente escondida, mulheres misteriosas chegando ao cinema para falar de um plano de proteção.
O projeto é inspirado em outro filme do gênero policial?
Na verdade, “O agente secreto” era o título de outro filme que queria escrever e não consegui, porque não funcionava. Era uma história contemporânea, nada a ver com o de agora. Aí guardei o título e transplantei para esse novo projeto. Na verdade, a gente costuma escrever um roteiro sem pensar em um título. Com esse foi o contrário. E aí fiz o roteiro inteiro se encaixar no título, e levei uns dois anos para fazer isso.
Estamos testemunhando a retomada dos filmes sobre a repressão política como um subgênero?
Acho uma grande coincidência que “Ainda estou aqui” e “O agente secreto” tenham estreado em menos de um ano. Acho muito bonito que isso tenha acontecido, na verdade, porque o filme do Walter teve um impacto muito incrível e vi isso na minha frente no Recife, numa sessão especial do festival Janelas do Cinema, que contou com a presença do Walter. Alguns jovens reagiram com surpresa: “Os militares prendiam e torturavam mesmo as pessoas? Eu não sabia!” (risos) Um colega espanhol me disse hoje que na Espanha não é tão diferente com a era de Franco. Os espanhóis mais jovens perguntavam: “Os franquistas eram fascistas? Não sabia! Minha avô nunca me falou sobre Franco dessa forma.” (risos)
Espera que o filme desperte a mesma curiosidade do público sobre a repressão como ocorreu com “Ainda estou aqui”?
Acho que filme nenhum tem que ser aula de nada, mas se você discute um assunto de maneira correta, justa e verdadeira, ele pode trazer informações novas para uma discussão melhor. De toda forma, “O agente secreto” não é sobre um evento histórico, uma recriação de um evento, ele é sobre uma sensação de tempo do Brasil daquela época. E disso eu lembro, da textura, do tom, do jeito, do Brasil daquele período. Eu era criança. Era um Brasil peculiar. Aprendi a marchar na escola, que não era militar. A cantar o Hino da Bandeira.
Fazendo história: Wagner Moura é o terceiro ator brasileiro premiado na competição principal em Cannes
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O diretor brasileiro Kleber Mendonça Filho recebe o prêmio de Melhor Ator em nome do ator Wagner Moura durante a cerimônia de encerramento da 78ª edição do Festival de Cannes, em Cannes, sul da França. — Foto: Foto: Valery HACHE / AFP
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O diretor brasileiro Kleber Mendonça Filho recebe o prêmio de Melhor Ator em nome do ator Wagner Moura durante a cerimônia de encerramento da 78ª edição do Festival de Cannes, em Cannes, sul da França. — Foto: Foto: Valery HACHE / AFP
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O diretor brasileiro Kleber Mendonça Filho recebe o prêmio de Melhor Ator em nome do ator Wagner Moura durante a cerimônia de encerramento da 78ª edição do Festival de Cannes, em Cannes, sul da França. — Foto: Foto: Valery HACHE / AFP
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O diretor brasileiro Kleber Mendonça Filho recebe o prêmio de Melhor Ator em nome do ator Wagner Moura durante a cerimônia de encerramento da 78ª edição do Festival de Cannes, em Cannes, sul da França. — Foto: Foto: Valery HACHE / AFP
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O diretor brasileiro Kleber Mendonça Filho recebe o prêmio de Melhor Ator em nome do ator Wagner Moura durante a cerimônia de encerramento da 78ª edição do Festival de Cannes, em Cannes, sul da França. — Foto: Foto: Valery HACHE / AFP
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O diretor brasileiro Kleber Mendonça Filho recebe o prêmio de Melhor Ator em nome do ator Wagner Moura durante a cerimônia de encerramento da 78ª edição do Festival de Cannes, em Cannes, sul da França. — Foto: Foto: Valery HACHE / AFP
O ator brasileiro superou o veterano Stellan Skarsgard, apontado como um dos favoritos na categoria pelo trabalho em “Sentimental value.