Sete meses após o início da CPI das Bets, a senadora Soraya Thronick (Podemos-MS) apresentou na terça-feira o pedido de indiciamento das influenciadoras Virgínia Fonseca, Deolane Bezerra e de outras 14 pessoas, incluindo empresários e representantes de casas de apostas. O relatório ainda precisa ser votado pelos demais parlamentares do colegiado, e não há data para que isso ocorra. Caso aprovado, o documento será encaminhado ao Ministério Público Federal avaliar se há elementos para abrir uma investigação.
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O relatório atribui a Virgínia os crime de estelionato e propaganda enganosa pelo fato de a influenciadora ter “simulado” apostas de altos valores em suas redes sociais, induzindo seus seguidores a jogar nos sites para os quais fez publicidade.
Em nota, Virgínia se disse “surpresa e espantada” com o pedido de indiciamento. “A defesa se pronunciará oportunamente, após a deliberação colegiada final da CPI, sempre confiando que se observe a Virgínia o mesmo tratamento dado a outros influenciadores digitais que, assim como ela, agiram licitamente”, disse.
O relatório final da CPI cita que Virgínia reconheceu, em depoimento ao colegiado, que se valia de uma “conta simulada” para fazer as apostas, durante as peças de publicidade feitas para a internet, o que configura “propaganda enganosa com com obtenção de vantagem indevida mediante indução a erro”.
“Ao induzir em erro seus milhões de seguidores — que acreditaram que suas ‘apostas’ eram reais —, e obter vantagem indevida — em razão das apostas realizadas por parte desses seguidores, que renderam milhões ela e às Bets que representou —, há indícios de que Virgínia tenha cometido o crime de estelionato”, escreveu a senadora.
“Cachê da desgraça”
A parlamentar ainda afirma que apesar de Virgínia ter negado receber o chamado “cachê da desgraça” das empresas, que prevê que quanto mais seguidores perdem, mais o influenciador ganha, o contrato dela inclui um adicional de 30% do lucro gerado para a bet. “Portanto, eufemismos à parte, chamemos as coisas pelo seu nome: essa cláusula estabelece que os ganhos da influenciadora estão atrelados às perdas incorridas por seus seguidores”, diz o texto.
Já em relação a Deolane, a relatora da CPI pede a responsabilização da advogada e influenciadora por sua ligação com a bet Zeroum, que não tem autorização do governo federal para atuar no país. A empresa opera hoje por meio de uma decisão judicial, após conseguir aval de funcionamento no Rio por meio da Loteria do Estado do Rio de Janeiro (Loterj).
A senadora afirmou que, apesar disso, a influenciadora divulgou falsamente que a Zeroum “teria autorização do órgão federal para atuar em âmbito nacional”: “A ocultação da verdadeira condição de Deolane na empresa, que se viu representada por possíveis “laranjas”, com repasses a título de propaganda, pode caracterizar, também, o delito de lavagem de dinheiro”.
Além disso, o texto afirma que a influenciadora vendeu sua participação na empresa por R$ 30 milhões, sem que houvesse qualquer registro de pagamento. Ainda assim, o relatório final da CPI afirma que, embora não conste mais no quadro societário, “há vários indícios de que Deolane continua à frente da empresa”.
O texto do relatório ainda afirma que Deolane e seus filhos registraram movimentações financeiras incompatíveis com as suas declarações de Imposto de Renda.
Pelas redes, Deolane comentou o relatório. “Tá faltando nomes aí”, escreveu a influenciadora em uma publicação na qual listou os nomes incluídos no relatório apresentado pela relatora da CPI das Bets.
A Zeroumbet, por sua vez, afirmou, em nota, ver “com estranheza” o relatório final da CPI das Bets. “O documento contém desinformações e inconsistências que, a bem da verdade, devem ser devidamente esclarecidas. Deolane não é sócia da empresa, como sugere o relatório. Ela é contratada como embaixadora da marca. Outras pessoas citadas no relatório não são sócias da empresa, mas administradores”, diz o comunicado.
Outro nome incluído entre os pedidos de indiciamento é de Adélia Soares, que participou do “Big Brother Brasil 2016” e tem um escritório de advocacia. Ela já atuou como advogada de Deolane.
Adélia é apontada no relatório da CPI como responsável pela PlayFlow, empresa usada para receber apostas dos sites ilegais. O esquema, está vinculado à máfia chinesa, segundo o parecer de Soraya. A defesa de Adélia afirma, em nota, que o relatório é “uma coleção de inverdades com o objetivo de retaliá-la pelo fato de não ter comparecido ao segundo depoimento”.
A relatora da CPI também pede o indiciamento de empresários envolvidos com casas de apostas, entre eles Fernando Oliveira Lima, da One Internet Group. Conhecido com Fernandinho OIG, a senadora afirma que ele e outros parceiros ligados à empresa utilizaram contratações para publicidade e serviços digitais como “fachada” para encobrir a origem de recursos provenientes de jogos de azar não regulados.
A defesa de Fernando, por meio de nota, negou irregularidades envolvendo suas atividades empresariais. “Todos os bens e valores encontram-se devidamente declarados às autoridades competentes, foram auditados por empresas de auditorias independentes e validados pelos órgãos de controle, de modo que descabe qualquer imputação de lavagem de dinheiro ou outros ilícitos”, afirma.
A apresentação do relatório, de 541 páginas, ocorreu na semana final da CPI, que só tem até sábado para concluir seus trabalhos. Em declaração à Agência Senado, o senador Dr. Hiran (PP-RR), presidente do colegiado, disse ter pedido ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), autorização para votar o relatório final na semana que vem.
Alcolumbre negou um pedido anterior a estender o prazo dos trabalhos, dizem aliados, sob o argumento de que os senadores tiveram tempo suficiente e que as sessões estavam se tornando uma espécie de “show midiático”.
Além dos pedidos de indiciamento, o relatório sugere propostas de lei que regulamentem o setor. Um dos projetos sugeridos pede o fim da publicidade de apostas em eventos de temática esportiva. Além disso, uma proposta propõe proibir beneficiários de programas sociais do governo federal de apostar em bets.
— Precisamos fazer com que o Brasil avance na regulamentação deste tipo de serviço, trata-se de uma resposta sistêmica proporcional ao problema enfrentado — disse Soraya.
A senadora sugeriu ainda a proibição de jogos on-line como o do Tigrinho, por ter maior potencial viciante. A parlamentar defendeu, contudo, a manutenção das apostas esportivas, as bets, desde que sejam adotadas “medidas de regulação mais rígida”. Ela alegou que essa prática trouxe ganhos ao esporte nacional, sobretudo o futebol, que recebeu grande injeção de recursos.