Jogo de gato e rato
O Brasil deverá ter dificuldade para trazer a deputada Carla Zambelli (PL-SP) de volta ao país caso ela consiga permanecer nos Estados Unidos. Segundo especialistas em Direito Internacional, um tratado de extradição restritivo e a chance de obter asilo político podem favorecer a deputada em sua tentativa de escapar da Justiça depois de ter sido condenada pelo Supremo Tribunal Federal, em maio, por invasão aos sistemas do Conselho Nacional de Justiça.
Zambelli anunciou sua saída do Brasil na manhã de terça-feira (3/6). Inicialmente, a deputada declarou que está nos EUA, mas que, por ter passaporte europeu, vai morar na Itália e se licenciar do cargo de deputada.
Carla Zambelli declarou que pode tentar asilo político nos Estados Unidos
Nesta quarta (4/6), porém, Zambelli afirmou à CNN Brasil que está revendo os planos e que talvez decida permanecer nos EUA e pedir asilo político ao governo de Donald Trump. O motivo é justamente a percepção de que ela teria mais risco de ser extraditada na Itália, mesmo tendo cidadania no país.
Para advogados ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico, a repatriação de Zambelli realmente pode ser dificultada em solo americano. Um dos motivos, segundo os especialistas, são as limitações do tratado do Brasil com os EUA, disposto no Decreto 55.750/65.
“O tratado com os EUA prevê um rol fechado de crimes que são passíveis de extradição. Em tese, se o crime não estiver expressamente listado no acordo, abre-se a possibilidade de que o pedido de extradição seja negado”, explica André Luiz Valim Vieira, doutor em Relações Internacionais e Desenvolvimento pela Unesp.
O STF condenou Zambelli por invasão de dispositivo informático (artigo 154-A do Código Penal) e falsidade ideológica (artigo 299 do Código Penal). Nenhum dos dois crimes está listado expressamente no tratado de extradição com os EUA, embora o documento fale em “falso testemunho” e “falsificação ou emissão de papéis e títulos falsificados”.
Como não é cidadã dos EUA, Zambelli só poderá ficar no país por tempo indeterminado se obtiver asilo político. Para isso, ela precisa contar com a boa vontade do governo de Trump, que já tem dado sinais de que pode aplicar sanções ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, por medidas tomadas contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e aliados.
“O asilo, em geral, é uma medida discricionária do país que o concede. É uma decisão que está sujeita a influência política e ideológica. Por isso, o governo dos EUA poderia concedê-lo à deputada se entender que há perseguição política”, avalia Vieira.
“A extradição é um processo político-jurídico, em que o desfecho depende não apenas da análise legal, mas também de decisões soberanas do Estado estrangeiro”, afirma a criminalista Ilana Martins Luz, doutora em Direito Penal pela Universidade de São Paulo.
E na Itália?
Ao contrário do tratado com os EUA, o acordo de extradição entre Brasil e Itália não restringe a medida a um rol específico de crimes. O tratado com os italianos, estabelecido no Decreto 863/93, determina apenas que a extradição será concedida por crimes tipificados segundo a lei de ambos os países, desde que a pena seja de pelo menos um ano e que o período ainda por cumprir seja superior a nove meses.
No caso de Zambelli, a condenação por falsidade ideológica bastaria para cumprir as exigências do tratado. Outras partes do documento, porém, poderiam abrir um flanco para a defesa da deputada. Um dos artigos estabelece, por exemplo, que a extradição pode ser negada se a parte requerida — no caso, a Itália — considerar que se trata de crime político.
“O que precisamos ver é se essa tipificação criminal justificaria a extradição de uma cidadã italiana, como é o caso dela. Mais uma vez, podemos entrar no critério político da decisão. Às vezes, o crime não é considerado grave o suficiente para que ocorra a extradição”, afirma Augusto Assad Luppi Ballalai, advogado e professor de Direito Internacional.
Caso Pizzolato
O anúncio de Zambelli de que pretende morar na Itália levantou comparações com o caso de Henrique Pizzolato, ex-diretor de marketing do Banco do Brasil condenado pelo STF no caso do “mensalão”. Pizzolato, que fugiu para a Itália em 2015, acabou extraditado mesmo tendo a cidadania, o que contraria a versão de Zambelli de que ela estaria “intocável” se chegasse ao país.
Para os especialistas, a extradição de Pizzolato representa, em parte, um precedente para o caso de Zambelli, mas as duas situações não são idênticas.
“A situação dela é comparável à do Pizzolato porque eles tiveram condenação criminal. Mas a condenação dele é pelo crime de corrupção, e a dela é por invasão de dispositivo. O crime de corrupção existe e é um dos mais combatidos dentro da Itália, por questões históricas. Me parece que a extradição, aos olhos deles, estaria mais justificada nesse caso”, diz Augusto Ballalai.
“No caso de Pizzolato, já havia condenação transitada em julgado. No da deputada, ainda há recurso pendente. Além disso, o contexto político atual na Itália é outro, o que torna necessário avaliar cada caso à luz de suas especificidades”, analisa Ilana Martins.
Pedido de prisão
A pedido da Procuradoria-Geral da República, Alexandre de Moraes decretou a prisão preventiva de Zambelli e ordenou à Polícia Federal que peça a inclusão do nome dela na difusão
vermelha da Interpol.
Em reação, Zambelli declarou que a medida é ilegal, já que a Constituição prevê, no artigo 53, que “os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável”.
Especialistas divergem sobre o argumento da deputada. Para alguns, o STF realmente precisaria de aval do Congresso para decretar a prisão. Outros defendem, no entanto, que a imunidade constitucional não se aplica a esse caso.
“A deputada não se licenciou, portanto ela continua sendo uma congressista eleita e diplomada. Sendo assim, o privilégio dado pela Constituição aos parlamentares ainda exige, em tese, que a prisão tenha de ser aprovada pelo Congresso Nacional”, afirma Ballalai.
Para André Valim Vieira, porém, Zambelli não está coberta por essa garantia. “Seguindo a literalidade constitucional, não caberia prisão. Mas o próprio STF já tem jurisprudência em relação a isso. Mesmo tratando-se de congressista, o juízo pode decretar a prisão preventiva porque ela saiu do país com o objetivo de escapar da aplicação da lei penal.”