BRASÍLIA – Entidades empresariais se articulam para que a campanha contra o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) não perca tração nos próximos dias, durante o prazo dado pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para que o governo apresente medidas de mais longo prazo para ajustar as contas sem recorrer a novos aumentos de impostos. Comércio, indústria, serviços, além de bancos, cooperativas e seguradoras, se uniram contra a tributação, numa aliança inusual entre diferentes ramos do setor privado.
“O governo está enchendo a caixa d’água, mas com as torneiras abertas. Todo mundo está tentando enchê-la, mas ninguém se lembra de fechar as torneiras”, afirmou Pablo Cesário, presidente da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), referindo-se à iniciativa de ampliar as receitas sem revisar as despesas públicas.
Entidades empresariais se articulam em campanha contra o aumento do IOF anunciado na semana passada pela equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad Foto: WILTON JUNIOR
“No momento em que já se tem pleno emprego, como os gastos com seguro-desemprego continuam crescendo? O problema não é falta de arrecadação. É que todas as torneiras continuam abertas”, acrescentou Cesário.
O setor privado vê no atual embate uma forma de cobrar do governo saídas estruturais para o problema fiscal e vê no Congresso um aliado neste momento, após o discurso de Motta em defesa da reforma administrativa. Mas não abre mão de rever a medida pelo impacto que ela terá em diferentes atividades.
Entidades do setor privado se queixam de que o governo Lula tem ampliado os gastos – o que tende a aumentar até a eleição de 2026 – sem conter despesas.
Nas redes sociais, empresários, como Rubens Menin, dono da construtora MRV, se expressaram a favor de medidas de longo prazo para enfrentar o déficit nas contas do governo.
“A crise do IOF escancarou algo maior: não dá mais para postergar as reformas estruturais de que o País precisa. É hora de encarar o problema de verdade: simplificar tributos, desvincular receitas e modernizar o Estado com uma reforma administrativa séria. Só assim vamos destravar a economia e garantir um crescimento sustentável”, escreveu o empresário.
Walter Schalka, que é membro do conselho de administração da Suzano, afirma que é preciso rever os motivos que levam ao crescimento contínuo das despesas do governo.
“Esse crescimento veio comendo o Orçamento e fez com que o governo, qualquer que seja o governo, ficasse absolutamente sem condição de ter uma política pública, porque ele só tem de ficar pagando despesa obrigatória”, disse ele ao Estadão. “Então, enquanto a gente não tiver uma reforma importante, da redução do custo do Estado, que pode ser por reforma administrativa e/ou privatização, ou combinação das duas coisas, a gente não vai conseguir sair do lugar. A gente vai ficar sempre administrando uma situação emergencial.”
“Então, agora faz contingenciamento (congelamento preventivo de despesas), aumenta o imposto; isso vai gerando perda de competitividade. A produtividade brasileira vem perdendo ao longo do tempo. Nós estamos perdendo essa competição global”, acrescenta.
O economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Felipe Tavares, diz temer que, sem um ajuste de longo prazo, novos aumentos de impostos venham já em 2026.
“O governo precisa tentar mostrar um pouco do esforço de diminuir o gasto, porque senão todo ano vai ter essa mesma pressão. Agora é o IOF, no ano que vem vai ser revisão da alíquota do PIS/Cofins, é Imposto de Renda Pessoa Jurídica. Não tem fim. Se não revisar o gasto, todo ano vai precisar tributar algo a mais ou tirar mais um incentivo tributário – o que, no fundo, é aumentar imposto”, afirma Tavares. “A gente vai ter um País em déficit e, mesmo assim, com uma carga tributária de 40% do PIB.”
Entidades querem apresentar problema Alcolumbre e Motta
O presidente da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF), Rodrigo Maia, que foi deputado federal e presidente da Câmara, articula com outras lideranças do setor produtivo uma reunião com Davi Alcolumbre (União-AP), presidente do Senado, e Hugo Motta (Republicanos-PB), para levar à cúpula do Congresso detalhes sobre como a medida é danosa para o setor privado.
A ideia é que todas as entidades empresariais que têm militado juntas pela retirada do IOF participem do encontro.
Logo após a equipe econômica anunciar o aumento do IOF no crédito de empresas, previdência privada e em operações de câmbio que afetam pessoas físicas e jurídicas, entidades empresariais começaram a articular uma resposta conjunta, reunindo instituições que dificilmente atuam juntas em Brasília, todas em desacordo com a medida.
Na segunda-feira, o Estadão revelou a elaboração de um manifesto reunindo as confederações nacionais da Indústria (CNI), do agronegócio (CNA), do comércio e serviços (CNC), das instituições financeiras (CNF), das seguradoras (CNseg), além da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca) e a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB). Nos dias posteriores, outras entidades ingressaram no movimento.
Para Maia, ainda que o governo tenha ganhado tempo, o assunto não está pacificado e o setor produtivo seguirá pressionando por uma solução, pois acredita que a medida também fere a lei. O argumento é que o IOF não pode ser usado para fins arrecadatórios, e sim como medida regulatória.
A estratégia é buscar apoio político antes de recorrer ao Judiciário. “Nosso objetivo não é judicializar, mas resolver pela política”, disse ele.
No Congresso, Motta deu prazo de dez dias para que o governo apresente alternativas estruturantes para o ajuste das contas do governo. Líderes partidários avaliam que já há votos suficientes para derrubar o decreto que elevou o IOF, mas a falta de sessão deliberativa na semana que vem, somada à pressão por preservar as emendas parlamentares, pode empurrar a decisão.
Rafael Furlanetti, sócio da XP Investimentos e presidente da Associação Nacional das Corretoras e Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (Ancord), afirma não ver chance de o assunto esfriar. Além da pressão em peso do setor produtivo, os efeitos do custo maior sobre o crédito e sobre investimentos, como na previdência privada, começarão a ser sentidos com mais intensidade por comerciantes e pessoas físicas.
“Imagina o varejista que faz um risco sacado, que antecipa o recebível. Ele vai começar a ver uma conta diferente de IOF. A prestação lá da Casas Bahia vai ficar mais cara, entendeu? Eu não estou vendendo VGBL porque não sei como tributar. Então, eu penso que não vai esfriar”, afirma. “Acredito que o assunto tem ainda muita força para ser discutido. E o Parlamento e o setor produtivo têm dialogado bastante.”
Entidades empresariais e políticos discutem saídas
Furlanetti enumera algumas sugestões que já estão sendo objeto de discussões com autoridades em Brasília, como uma nova tentativa de rever a expansão dos gastos com o Benefício de Prestação Continuada (BPC), com o seguro-defeso e a desvinculação dos gastos à receita do governo, como os pisos da saúde e da educação.
“Tem um gasto tributário de R$ 700 bilhões. Se você fizer algum corte linear de 5% que seja, você está falando de R$ 35 bilhões. Isso escalonado ao longo do tempo é possível de ser feito”, afirma.
Walter Schalka, da Suzano, afirma que o setor privado está preparado para discutir uma redução dos incentivos tributários, concedidos de forma desorganizada a diferentes setores e que hoje criam distorções.
“Temos um excesso de subsídios e subsídios que não têm menor lógica”, afirma. “Tem muito lobby corporativista no Congresso, obviamente que tem. Mas a gente vai ter de enfrentar isso. Se todo mundo quiser defender os seus próprios interesses e a sociedade como um todo e não aceita aumentar imposto, essa conta não fecha.”
Maia afirma que cálculos de economistas do setor financeiro estimam que o governo subestimou a receita com transações tributárias (negociações de dívidas antigas por meio de editais), que pode render até R$ 15 bilhões neste ano – o governo fixou em R$ 5 bilhões na revisão bimestral. O BNDES também poderá pagar até R$ 6 bilhões a mais em dividendos, avaliam.
Dessa forma, haveria receitas para fechar a conta do ano – o que desmonta, segundo ele, o dilema entre o IOF ou o corte de emendas parlamentares. O problema maior parece ser como fechar as contas em 2026.
“O governo está dizendo que para esse ano não dá; é o contrário. Para o ano que vem é que eles vão ter mais dificuldades. Porque já tem uma necessidade de R$ 60 bilhões, R$ 70 bilhões a mais (para fechar as contas). Redução de gastos tributários? Achamos ótimo. É muito bom, mas em que pontos dos gastos tributários se tem voto?”, questiona Maia. “O governo fala muito em reduzir gastos tributários, mas o mesmo governo acabou de patrocinar a renovação da Zona Franca de Manaus e o aumento da cesta básica, que é um impacto perto de R$ 100 bilhões no longo prazo.”
Maia afirma que a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) mostrou um cenário preocupante ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que mostra um impacto de três pontos porcentuais sobre a taxa de juros em operações de crédito tradicionais, podendo chegar a nove pontos nas chamadas operações de risco sacado, de prazo mais curto. Em termos práticos, diz Maia, um empréstimo que sairia a 15% ao ano pode passar de 23% com o novo IOF.
“No caso do risco sacado, é um absurdo. Essa tributação afeta diretamente pequenas e médias empresas, que não têm alternativas de mercado como as grandes. Não há justificativa econômica, é apenas arrecadatória”, afirmou Maia.
A tributação sobre o risco sacado, instrumento que viabiliza o abastecimento de estoques no varejo por meio da antecipação de recebíveis, pode gerar impacto em cascata, segundo a CNC.
“Isso pode gerar uma retração no giro das redes, principalmente no pequeno varejo, com risco real de desabastecimento e fechamento de lojas”, afirma Felipe Tavares.
Estudos preliminares da CNC apontam que o custo de capital do varejo pode subir até 10%, o que pode inviabilizar operações de margens apertadas.
No agronegócio, a situação também é descrita como grave. O aumento do IOF deve pressionar diretamente o custo do crédito rural − essencial para o financiamento da produção agropecuária. O impacto recai, sobretudo, sobre produtores que atuam como pessoa jurídica, cooperativas e empresas rurais.
Para a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (Faesp), o crédito mais caro pode comprometer a rentabilidade no campo, reduzir a capacidade de investimento e afetar a competitividade do agro brasileiro. “A elevação desse imposto reduzirá a margem de lucro, a capacidade de investimento e pode desencadear uma redução na produtividade, comprometendo a segurança alimentar”, afirma Tirso Meirelles, presidente do Sistema Faesp/Senar-SP.
Além de pressionar diretamente os produtores rurais, o aumento do imposto, segundo Meirelles, pode ter efeitos colaterais, como a alta dos alimentos aos consumidores. O impacto, no entanto, não atinge o crédito rural oficial, vinculado ao Plano Safra − que é isento de IOF.
Porém, como boa parte do financiamento do setor vem de fontes privadas, como linhas captadas por cooperativas, agroindústrias e empresas de insumos, o reajuste é repassado de forma indireta aos produtores. Nessas operações, vale a nova alíquota, que passa de 0,38% para 0,95%, com teto de 3,95%, conforme o decreto nº 12.466./Colaborou Sabrina Nascimento