A relatora da CPI das Bets, senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), apresentou seu relatório final nesta terça-feira, 10, com o pedido de indiciamento de 16 pessoas, incluindo influencers e empresários por crimes como estelionato, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e contra o consumidor.
O documento pede que as informações sejam encaminhadas ao Ministério Público para “apuração e responsabilização penal” e à Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda para “providências administrativas” relativas aos seguintes investigados pela CPI:
Virgínia Pimenta da Fonseca Serrão Costa
Virgínia Pimenta da Fonseca Serrão Costa, nascida em 6 de abril de 1999, em Danbury, nos EUA, é uma influenciadora digital, apresentadora de TV e empresária. Em suas redes sociais, acumula mais de 52,9 milhões de seguidores. A influencer casou-se com o cantor Zé?Felipe em março de 2021, com quem teve três filhos, e fundou a marca de cosméticos We?Pink e a agência Talismã Digital.
Virgínia teve seu pedido de indiciamento na CPI pelos crimes de publicidade enganosa e estelionato. O relatório afirma que os ganhos da influenciadora digital Virgínia Fonseca com a publicidade de apostas eram atrelados às perdas dos apostadores. Procurada, a defesa da influenciadora afirmou que recebeu o relatório com “surpresa e espanto”, mas que “confia no discernimento” do colegiado.
Virgínia Fonseca tinha um contrato de divulgação com a casa de apostas Esportes da Sorte. O acordo previa pagamento de 30% na totalidade do lucro obtido pela empresa a partir dos apostadores que jogavam a partir do link de acesso da influenciadora.
“Isso nada mais é do que a outra face da moeda das perdas dos apostadores. As apostas são um jogo de soma zero, elas não ‘produzem dinheiro’: se a banca ganha, evidentemente o apostador perde”, diz o relatório.
O texto afirma que se trata de “prática claramente abusiva” que pode “provocar demasiado estímulo no influenciador digital em convencer seus seguidores”.
Segundo Soraya, Virgínia teria induzido os seguidores dela a erro, uma vez que eles “acreditaram que suas ‘apostas’ eram reais”. Essa prática, na visão da relatora, carrega indícios de estelionato e de publicidade enganosa.
A defesa de Virgínia Fonseca, representada pelo advogado Michel Saliba, afirmou que se manifestará após a decisão do colegiada da CPI e disse confiar que a influenciadora receberá “o mesmo tratamento dado a outros influenciadores digitais que, assim como ela, agiram licitamente na divulgação e publicidade das bets e que, no entanto, não constaram como indiciados na manifestação da relatora”.
Adélia de Jesus Soares
Adélia de Jesus Soares, advogada e colega da influencer Deolane Bezerra, é apontada pela CPI como sócia do empresário Daniel Pardim Tavares Gonçalvez e pode ser indiciada pelos crimes de lavagem de dinheiro e integração de organização criminosa. Nas redes sociais, Adélia acumula mais de 2,2 milhões de seguidores.
Com previsão para ser ouvida pela CPI, na reunião do dia 18 de março, “Adélia Soares se recusou a prestar depoimento, sob alegação de sigilo profissional, por ter atuado como advogada“, diz o documento.
A investigação concluiu que Adélia é dona da empresa Payflow Processadora de Pagamentos Ltda., “empresa usada para receber apostas dos sites ilegais”, conforme cita o relatório.
Indagada se teria algo a dizer que retirasse a dúvida de que houve conivência sua e participação da Playflow no esquema bilionário de apostas ilegais, respondeu que não poderia falar nada sobre o caso e afirmou confiar no Poder Judiciário, onde tudo será esclarecido.
Daniel Pardim Tavares Gonçalvez
Daniel Pardim Tavares Gonçalvez foi apontado como representante da empresa Peach Blossom River Technology, envolvida no mesmo esquema da Payflow. A oitiva de Pardim ocorreu no dia 29 de abril.
Ao ser questionado se conhecia Adélia e se a empresa Peach Blossom River Technology era sócia integral da Payflow, Pardim declarou que “permaneceria em silêncio por orientação de seus advogados”.
Posteriormente, o empresário negou conhecer a advogada. “Diante da falsa informação prestada sobre não conhecer nem ser sócio de Adélia de Jesus Soares, o Sr. Daniel Pardim Tavares Lima recebeu voz de prisão pelo cometimento, em tese, do crime de falso testemunho”, diz o documento. Pardim foi preso em flagrante durante a oitiva.
Deolane Bezerra dos Santos
Deolane Bezerra dos Santos é uma advogada e influenciadora digital com mais de 21 milhões de seguidores em suas redes sociais. Ganhou notoriedade após o falecimento de seu noivo, o funkeiro MC Kevin, e desde então tornou-se figura pública ativa nas redes sociais e na mídia.
A influenciadora foi presa em agosto de 2024, em decorrência de uma operação da Polícia Civil que investigava uma organização criminosa suspeita de jogos ilegais e lavagem de dinheiro.
A convocação de Deolane para depor na CPI foi justificada como “necessária para esclarecer seu envolvimento na promoção de apostas e o possível uso de sua imagem para legitimar operações financeiras ilícitas, conforme indicam as investigações”.
No entanto, a influencer não compareceu ao depoimento sob a justificativa de ter sido “protegida por uma decisão liminar concedida pelo Ministro André Mendonça”, conforme cita o relatório.
A influencer foi apontada como a proprietária da plataforma Zeroumbet, a qual Deolane divulga em suas redes sociais. A empresa não possui autorização formal para operar no Brasil por não cumprir com os requisitos da Secretária de Prêmios e Apostas (SPA), órgão regulador vinculado ao Ministério da Fazenda. A advogada, no entanto, anuncia em suas redes sociais a informação falsa de que existe a autorização.
“Além disso, [o quadro societário da bet] cometeram diversos possíveis estelionatos, ao obterem vantagens indevidas de apostadores induzidos em erro, mediante fraude, sobre a situação irregular da empresa”, diz o relatório.
Embora Deolane tenha deixado o quadro societário da Zeroumbet, a investigação concluiu que a “condição de Deolane na empresa, que se viu representada por possíveis ‘laranjas’, com repasses a título de propaganda, pode caracterizar, também, o delito de lavagem de dinheiro”.
Assim, a influencer pode ser indiciada pelas contravenções penais de jogo de azar e loteria não autorizada e pelos crimes de estelionato, lavagem de dinheiro e integração de organização criminosa.
Sócios da Zeroumbet
O relatório incluiu os nomes de membros do quadro societário da Zeroumbet e de pessoas que teriam relação com a plataforma. Eles podem ser indicados por contravenções penais de jogo de azar e loteria não autorizada e pelos crimes de estelionato, lavagem de dinheiro e integração de organização criminosa.
São eles: Ana Beatriz Scipiao Barros, Jair Machado Junior, o empresário piauiense José Daniel Carvalho Saturnino, conhecido como Daniel Trajano, que também atuava no marketing da Esportes da Sorte, Leila Pardim Tavares Lima e Marcella Ferraz de Oliveira.
Ainda conforme o relatório, José Daniel Carvalho Saturnino teria adquirido a participação societária de Deolane na Zeroumbet por R$ 30 milhões, sem que, no entanto, haja indicativo de que ele tenha efetivamente realizado qualquer pagamento em contrapartida dessa participação.
Em nota divulgada pela Zeroumbet nesta terça-feira, o advogado André Callegari disse “ver com estranheza” o relatório final da CPI das Bets. Segundo a defesa da casa de apostas, “o documento contém desinformações e inconsistências”.
O advogado diz que Deolane não é socia da empresa, como sugere o relatório, mas sim a embaixadora da marca. Outras pessoas citadas no relatório, segundo a defesa, não são sócias da empresa, mas administradoras. Além disso, a empresa também alega que está “operando legalmente com base em mandado de segurança e cumpre rigorosamente todas as obrigações fixadas em lei”.
Pâmela de Souza Drudi
A influencer paulista Pamela Drudi, de 27 anos, que divulgava plataformas de apostas, teve seu pedido de indiciamento na CPI pelos crimes de publicidade enganosa e de estelionato. A comissão teve acesso ao relatório de movimentações financeiras da influencer, classificando-as movimentações como “atípicas”.
A relatora pediu ao Ministério Público que investigue Pamela “para que verifique a possível existência de omissões fiscais ou incompatibilidades patrimoniais, diante da discrepância entre os valores movimentados e a renda formalmente declarada pela investigada às instituições financeiras”.
Sócios da OIG Gaming Brazil
Erlan Ribeiro Lima Oliveira, primo de Fernando Oliveira Lima, conhecido como “Fernandin OIG”, integram o quadro societário da empresa OIG Gaming Brazil. Segundo relatórios técnicos sobre as finanças da empresa e dos sócios, os primos fizeram “movimentações financeiras expressivas”, com indícios de lavagem de dinheiro e estelionato.
O terceiro nome que compõe o núcleo de controle da OIG Gaming Brazil é o de Toni Macedo da Silveira Rodrigues, administrador da empresa. “O relatório técnico aponta que, entre agosto de 2023 e fevereiro de 2024, Toni movimentou R$ 2.728.050,32 em contas bancárias, com centenas de transações de crédito e débito simultâneas, o que caracteriza padrão de fracionamento e circularidade de recursos, típico de esquemas de dissimulação financeira”, diz o texto.
A análise de finanças também encontrou incongruências no balanço patrimonial da OIG, “A documentação revelou gastos vultosos com Google, Facebook, aeronaves, embarcações, combustíveis e comércio de alimentos, apesar de a empresa não possuir CNAEs [Classificação Nacional de Atividades Económicas] compatíveis. Isso sugere a utilização das contas da pessoa jurídica para despesas pessoais ou ocultação de fluxo financeiro verdadeiro”, acrescenta.
Além disso, há relatos de empréstimos mútuos entre os sócios e a própria empresa, conduta que reforça o “caráter informal e opaco da gestão financeira”.
Ainda nesta análise, observou-se o uso de possíveis “laranjas” pela empresa. Um exemplo é o de Isabela Junia Gonçalves. A profissional autônoma possui rendimentos mensais declarados de apenas R$ 10.000,00. Porém, o relatório indica que ela movimentou mais de R$ 1 milhão com a OIG Gaming Brazil LTDA entre fevereiro e abril de 2025.
A CPI entende que, embora o caso de Isabela Junia ainda demande investigação, já é possível afirmar que a estrutura empresarial de Erlan, Fernando e Toni apresenta “elementos suficientes para caracterizar uma associação voltada à lavagem de dinheiro”, ocultação de patrimônio e possível evasão de divisas, disfarçada sob a fachada de marketing e serviços digitais ligados a jogos de azar. Os três sócios foram indiciados por lavagem de dinheiro e associação criminosa.
Marcus Vinicius Freire de Lima e Silva
O empresário foi investigado pela CPI por atividades suspeitas nas próprias finanças e nas das suas empresas. Embora afirme nunca ter atuado como sócio da Sportingbet ou do Grupo Entain no Brasil, ele tem participação direta e indireta nas plataformas, conforme investigou a CPI.
Além de outros indícios de esquemas criminosos citados no relatório, o texto diz que Marcus Vinicius “construiu fortuna de grandes proporções por meio da exploração de jogos eletrônicos e apostas esportivas entre os anos de 2018 e 2022, período anterior à regulamentação oficial da atividade no Brasil”.
Um exemplo de movimentação ilícita de Marcus Vinicius citado no relatório é uma empresa de publicidade de pequeno porte, com um capital social de R$ 100 mil e limite anual de faturamento de R$ 4,8 milhões, que movimentou entre 2022 e 2023 o montante de R$ 639.887.010,88 em créditos e R$ 542.686.560,80 em débitos.
“A desproporção entre os dados declarados e a movimentação efetiva, somada à ausência de documentação comprobatória e ao uso de pagamentos com sacado próprio, configura fortes indícios de sonegação fiscal”, diz o relatório da CPI.
Outro aspecto citado foi que o empresário tentou se valer de proximidade com um membro (cujo nome não foi informado) do Supremo Tribunal Federal para “minimizar” os efeitos de procedimentos investigatórios.
Marcus Vinícius foi convocado para prestar depoimento no dia 26 de novembro de 2024, porém sua defesa apresentou uma petição alegando a ausência de intimação formal e residência no exterior, requerendo a exclusão de seu nome da lista de convocados.
Marcus Vinicius foi incluído nos pedidos de indiciamento. A CPI identificou “indícios contundentes da prática dos crimes de lavagem de dinheiro, sonegação fiscal, exploração ilegal de jogos de azar, associação criminosa e, potencialmente, corrupção ativa ou tráfico de influência”.
Jorge Barbosa Dias
Jorge Barbosa Dias é um empresário pernambucano e proprietário da plataforma de apostas MarjoSports. O conjunto de provas obtidas, revela o envolvimento do investigado em um esquema de possível lavagem de dinheiro, formação de organização criminosa, sonegação fiscal e exploração ilegal de jogos de azar.
Em novembro de 2023, Jorge Barbosa Dias foi formalmente denunciado e tornou-se réu, com outros 17 acusados, por suspeita de integrar organização criminosa dedicada à lavagem de dinheiro.
Em agosto de 2024, a ação penal foi suspensa após um dos coacusados obter habeas corpus, levando o processo à estaca zero. O Ministério Público recorreu da decisão, e o recurso segue pendente de julgamento.
“Apesar da alegação da defesa de que o Sr. Jorge Barbosa Dias possui licenças para operar apostas esportivas no Brasil, a base probatória reunida nesta CPI demonstra que parte significativa de sua movimentação financeira e patrimonial ocorreu em períodos anteriores à regulação formal do setor”, diz o texto.
Jorge Barbosa também foi convocado para depor à CPI em maio de 2025, mas não compareceu nem apresentou justificativa. Teve sua condução coercitiva aprovada, e a defesa alegou constrangimento e ausência de pressupostos para a condução do cliente.
O empresário pode ser indiciado pelos crimes de lavagem de dinheiro, organização criminosa, sonegação fiscal e exploração ilegal de jogos de azar.
Bruno Viana Rodrigues
O empresário da empresa de publicidade esportiva Brax Produção e Publicidade LTDA., Bruno Viana Rodrigues teve seu pedido de indiciamento pelos crimes de lavagem de dinheiro, organização criminosa e exploração ilegal de jogos de azar.
O empresário tinha como elo operacional outra empresa, a Pay Brokers EFX Facilitadora de Pagamentos S.A., plataforma com histórico de envolvimento em operações de apostas no exterior e investigações por lavagem de ativos e manipulação de resultados esportivos.
“A Pay Brokers é identificada no relatório técnico como uma empresa facilitadora de pagamentos para sites de apostas como BET365, BETFAIR e outras operadoras com sede no exterior, atuando no recebimento de valores via PIX e posterior remessa internacional”, diz o relatório, que associa a empresa de Bruno à Pay Brokers.
Bruno estava convocado para prestar depoimentos no dia 28 de maio, mas sua defesa informou que o empresário estava cumprindo compromissos internacionais na Europa e retornaria no dia 16 de junho.
A CPI das Bets
O relatório final consolida os trabalhos da CPI e pode, além de propor mudanças na legislação, enquadrar pessoas em determinados crimes. Nesses casos, o relatório é enviado para o Ministério Público ou para a Polícia Federal com a recomendação dos indiciamentos. A reunião no Senado para votação do documento está prevista para quinta-feira, 12.
A Comissão Parlamentar de Inquérito das Bets foi iniciada em novembro de 2024 e, desde então, realizou 20 reuniões e ouviu 19 pessoas. Entre os depoentes, representantes do governo federal (responsável pela regulamentação das bets), influenciadores digitais e donos de sites de apostas. Sete dessas pessoas foram convocadas – ou seja, tinham obrigação de comparecer -, mas seis não compareceram para depor.