Search
Close this search box.
  • Home
  • Brasil
  • Prisão do MC Poze do Rodo reacende debate sobre criminalização do funk

Prisão do MC Poze do Rodo reacende debate sobre criminalização do funk

O cantor Marlon Brendon Coelho Couto Silva, conhecido como MC Poze do Rodo, foi preso temporariamente na última quinta-feira, 29, em casa, um condomínio de luxo no Recreio dos Bandeirantes, zona oeste do Rio de Janeiro. A detenção foi realizada pela Polícia Civil fluminense, com base em acusações de associação e apologia ao tráfico de drogas.

Segundo a investigação, Poze se estaria se apresentando exclusivamente em comunidades controladas pelo Comando Vermelho, onde traficantes armados, inclusive com fuzis, fazem a segurança dos eventos e do próprio artista.

Segundo a corporação, esses shows seriam usados estrategicamente pela facção para ampliar lucros com a venda de entorpecentes e viabilizar a aquisição de armas e outros instrumentos ilícitos.

O secretário de Polícia Civil, delegado Felipe Curi, afirmou que MC Poze atua como uma espécie de embaixador cultural da facção, classificando suas músicas como uma “narcocultura do Comando Vermelho travestida de arte“.

Para as autoridades, o conteúdo das letras ultrapassa os limites da liberdade de expressão, configurando crimes graves, como incitação ao tráfico, exaltação ao uso ilegal de armas e incentivo a confrontos entre grupos criminosos rivais.

A Polícia Civil, nos dois dias subsequentes à prisão, publicou no perfil oficial no Instagram vídeos celebrando a operação. Em uma das postagens, afirmou querer promover a “cultura do bem” e classificou a detenção como um “recado” para aqueles que, segundo a corporação, ajudam a “romantizar” e “disseminar” o que chamou de narcocultura.

hasIntagram

Um vídeo registrado durante um show do cantor na Cidade de Deus, em 17 de maio, foi considerado um dos estopins da prisão.

Nas imagens, Poze aparece cantando músicas que exaltam chefes do Comando Vermelho, enquanto um homem armado com fuzil é visto entre os espectadores.

O show ocorreu dois dias antes da morte de um policial civil na mesma comunidade.

Veja o vídeo:

” frameborder=”0″ allow=”accelerometer; autoplay; clipboard-write; encrypted-media; gyroscope; picture-in-picture; web-share” allowfullscreen=””>

O que diz a defesa?

O advogado Alexandre Manoel Augusto Dias Júnior impetrou HC com pedido de liberdade imediata. Segundo divulgado pela CBN, ele argumenta que a prisão teve como base “interpretações subjetivas e indícios frágeis“, sem prova concreta de que o artista integre ou apoie qualquer organização criminosa.

O pedido de HC menciona o uso de algemas durante a detenção, argumentando que o cantor não ofereceu resistência, o que contraria a súmula vinculante 11 do STF, que limita o uso de algemas a situações de resistência ou risco à segurança.

Prisão polêmica

Viviane Noronha, esposa de MC Poze, descreveu o momento da prisão como “humilhante, cruel e desumano”.

Ela relatou que a polícia entrou no quarto enquanto dormia com a filha, usou lanternas de celular no rosto delas, e impediu que ela pegasse a criança no colo ou que o marido se vestisse antes de ser levado.

Viviane afirmou que “o crime é ser preto e da favela” e que “a perseguição é nítida”, reforçando que “MC não é bandido”.

Ela também acusou a polícia de sumiço de joias e ouro do marido durante a operação, o que a Polícia Civil negou, afirmando que toda a operação foi filmada e que irá investigar Viviane por calúnia.

Opinião de especialista

Para Sergio Figueireido, advogado criminalista, “a prisão de MC Poze sob a acusação de apologia ao crime e possível associação ao tráfico expõe, mais uma vez, a instrumentalização do processo penal como meio de resposta simbólica, e não jurídica, a questões complexas de segurança pública“.

Segundo ele, trata-se de uma medida que “agrada setores midiáticos e oferece discurso a autoridades que buscam holofotes“, mas que pouco contribui de fato para o enfrentamento ao crime organizado.

A prisão, argumenta, “não apenas desrespeitou a dignidade do cantor, como também violou diretamente a súmula vinculante 11 do STF“, que restringe o uso de algemas a situações excepcionais.

O cantor foi preso sem qualquer resistência, conduzido algemado, descalço e sem sequer ter sido autorizado a vestir uma camisa antes de ser levado para a Cidade da Polícia. A exposição midiática foi clara, calculada e completamente desnecessária do ponto de vista técnico“, afirmou.

Para o advogado, “o uso indevido das algemas nesse contexto não foi um instrumento de contenção, mas sim de humilhação“.

Ele também apontou um tratamento desigual nas operações.

Curiosamente, essa mesma Polícia Civil, quando cumpre mandados contra réus milionários, chefes do jogo do bicho ou empresários influentes, adota uma postura notavelmente distinta. É a seletividade penal se revelando, não apenas nas acusações, mas também na forma como se exerce a força do Estado.”

 (Imagem: Reprodução/Redes sociais | Reprodução/TV Globo | Arte Migalhas  )

Mc Poze foi preso acusado de apologia ao crime e associação com o tráfico. Enquanto isso, em diversas cidades brasileiras tramitam projetos que visam criminalizar manifestações culturais ao crime organizado e ao tráfico, conhecidos como “Leis Anti-Or(Imagem: Reprodução/Redes sociais | Reprodução/TV Globo | Arte Migalhas )

Repercussão

A detenção de MC Poze mobilizou outros artistas e figuras públicas. MC Daniel, MC Cabelinho, Orochi, Oruam, a deputada Erika Hilton e a ex-BBB Gleici Damasceno manifestaram apoio ao cantor e críticas ao que chamaram de seletividade do sistema de Justiça.

O rapper Oruam, filho de Marcinho VP – apontado como líder do Comando Vermelho -, qualificou a prisão como “covardia” e afirmou que o Estado busca “dar uma resposta à sociedade prendendo o preto, o pobre e o favelado“. Ele também criticou o uso de algemas sem justificativa.

Em frente ao Complexo Penitenciário de Gericinó, familiares e apoiadores realizaram manifestação com cartazes e camisetas com os dizeres: “MC não é bandido“.

hasIntagram

Declaração de filiação

A Seap – Secretaria de Administração Penitenciária informou que, ao ingressar no sistema penitenciário, MC Poze declarou identificação com o Comando Vermelho.

No Rio, detentos são separados conforme suas alianças criminosas, sendo obrigatória a indicação da chamada “ideologia declarada”. Com isso, o artista foi alocado em Bangu 3, unidade destinada a membros do CV, sendo classificado com grau médio de periculosidade.

A defesa do cantor esclareceu à Folha de S.Paulo que essa declaração é um mecanismo de proteção no sistema prisional, não sendo indicativo de vínculo real com facções.  Afirmou que o procedimento é recomendado para evitar confrontos e não possui valor probatório de associação criminosa.

Criminalização cultural?

A prisão de MC Poze reacendeu o debate sobre os limites da liberdade artística e a possível criminalização do funk e do trap. A discussão se intensifica diante da tramitação de projetos de lei que visam proibir o uso de recursos públicos para contratar artistas cujas músicas contenham apologia ao crime ou exaltem organizações criminosas.

As propostas ficaram conhecidas como “Lei Anti-Oruam”, em referência ao trapper Oruam (Mauro Davi dos Santos Nepomuceno), filho do traficante Marcinho VP.

Embora o nome não apareça nos textos legislativos, a própria autora do projeto original, a vereadora Amanda Vettorazzo (São Paulo/SP), assumiu a alcunha e criou um site com imagens de Oruam para incentivar a replicação da iniciativa em outras cidades.

A estratégia surtiu efeito: projetos semelhantes tramitam em municípios como Curitiba (projeto do vereador João Bettega) e Cuiabá (vereador Rafael Ranalli).

Em Ribeirão Preto/SP, a lei já foi sancionada. A norma local prevê cláusula específica proibindo a contratação de shows, artistas ou eventos de qualquer natureza com recursos públicos quando houver expressão de apologia ao crime ou ao uso de drogas. Em caso de descumprimento, o contrato será rescindido e a multa aplicada corresponderá a 100% do valor contratado, revertida para o ensino fundamental da rede municipal.

A lei também autoriza a atuação da Guarda Civil Metropolitana e da Polícia Militar na fiscalização e estabelece a vedação de apoio, patrocínio ou divulgação, por parte da prefeitura, de qualquer evento que envolva apologia ao crime organizado ou ao uso de entorpecentes.

Em Pernambuco, o PL 494/19 pretende proibir o brega-funk e danças populares como os “passinhos” nas escolas, ampliando a discussão sobre o tratamento dispensado a manifestações culturais periféricas.

A atual ofensiva legislativa, impulsionada por casos como o de MC Poze, traz novos contornos a um debate antigo – agora intensificado por discursos de combate ao crime e pela disputa simbólica em torno de territórios culturais marginalizados.

Em 2017, tramitou no Senado a sugestão legislativa 17, que propunha enquadrar o funk como “crime contra a saúde pública“. A proposta foi arquivada após parecer contrário da Comissão de Direitos Humanos, que realizou audiência pública com artistas, antropólogos e juristas.

Ao colocar manifestações musicais sob o crivo penal, o Estado arrisca transformar o processo legal em mecanismo de censura e intimidação.

O episódio envolvendo MC Poze reabre, assim, a discussão sobre até que ponto a arte pode ser confundida com crime – e sobre o papel que a Justiça, a política e a sociedade estão dispostos a atribuir à cultura das favelas no espaço público brasileiro.

Clique aqui para acessar a Fonte da Notícia

VEJA MAIS

Zambelli vira foragida após ordem de Moraes; Itália decide sobre extradição

Tecnicamente, a situação de Zambelli só se caracteriza como fuga após a emissão do mandado…

Vídeo que mostra ‘rolezinho’ de moto com fumaça vermelha é anterior à prisão de MC Poze do Rodo

O que estão compartilhando: vídeo que mostraria um “rolezinho” de moto convocado pelo rapper Oruam,…

Carla Zambelli critica Moraes e diz que prisão é “ilegal” e “autoritária”

A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) criticou nesta quarta (4) a ordem de prisão expedida…