A prisão de Fernando Collor, na semana passada, aumentou a lista de ex-presidentes de países da América Latina que foram parar na cadeia no passado recente ou enfrentam problemas judiciais e convivem com a ameaça de ter o mesmo destino. Além do Brasil — onde o atual titular do Planalto, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e Michel Temer (MDB) já estiveram atrás das grades, e Jair Bolsonaro (PL) virou réu por tentativa de golpe de Estado —, levantamento do GLOBO aponta que pelo menos 23 ex-chefes de Estado da região se viram diante de imbróglios legais após deixar o cargo. Na terra do realismo mágico imortalizado por escritores como o colombiano Gabriel García Márquez e o argentino Julio Cortázar, o arsenal usado para evitar o encarceramento abarca medidas diplomáticas, esconderijo vigiado por apoiadores e até suicídio, além dos recursos processuais de praxe.
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Variados são também os tipos de caso que levaram ex-presidentes a condenações ou ordens de prisão. Corrupção, investida golpista e violação de direitos humanos são os principais, elenca o cientista político Leonardo Paz, pesquisador do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da Fundação Getulio Vargas (FGV). Às vezes, um mesmo político consegue se enquadrar em mais de um ponto, como o peruano Alberto Fujimori.
Os episódios são lidos por parte dos especialistas como sinal de fim da impunidade, enquanto para outros expõem também a fragilidade de instituições facilmente capturadas e supostos atropelos do Judiciário.
— Na região, fazer parte da política às vezes depende de se unir, de modo negativo, a certos setores para garantir governabilidade. Além disso, há Ministérios Públicos e Judiciários capturados — avalia Paz. — São casos diferentes entre si, mas, se for analisar em conjunto, é tudo fruto de instituições frágeis ou sem a devida independência.
Além da prisão de Collor, condenado por esquema de corrupção ligado à BR Distribuidora, outro episódio que jogou luz sobre o histórico problemático da região foi o asilo diplomático concedido pelo Brasil a Nadine Heredia, ex-primeira-dama do Peru. No país andino, quatro ex-presidentes entraram na mira da Lava-Jato, entre eles o marido de Heredia, Ollanta Humala. Assim como aqui, são constantes por lá discursos de perseguição política e alegações de atropelos das instituições investigativas e da própria Justiça.
— Houve um movimento de redemocratização, sobretudo desde a década de 1980, e isso passou pelo fortalecimento de instâncias de controle, inclusive do Judiciário e do MP, que passam a ter condições para investigar e punir corrupção. Muitos escândalos deixaram de ser varridos para debaixo do tapete — afirma Guilherme France, gerente de pesquisa e advocacy da Transparência Internacional Brasil.
Para France, porém, houve nos últimos anos um “desmonte completo” da Lava-Jato por meio de decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), com impactos inclusive no Peru. Já o caso de Collor, que foi autorizado a cumprir pena em prisão domiciliar, evidenciaria a demora da Justiça para lidar com políticos desse porte, dado que se passaram mais de dez anos até a conclusão do processo:
— A maior divulgação desses casos de corrupção não significa que a impunidade não é um problema. Pelo contrário, ela ainda prevalece na região para políticos e empresas poderosas — diz o representante da ONG.
Há, contudo, outra forma de analisar o volume superlativo de prisões e condenações na região: pela alegação de excessos do Judiciário. Um dos episódios que despertou dúvidas legais e diplomáticas foi o do paraguaio Horacio Cartes, que teve ordem de prisão expedida pelo juiz federal do Rio Marcelo Bretas, de primeira instância, por supostamente ajudar na fuga do doleiro Dario Messer para o país vizinho. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) cassou a decisão antes de o alerta vermelho da Interpol ser acionado pela Polícia Federal.
Argumento de perseguição
No vizinho que mantém relações mais intensas com o Brasil — a Argentina é o terceiro maior parceiro comercial do país, atrás apenas de China e Estados Unidos —, a peronista Cristina Kirchner foi condenada a seis anos de prisão por corrupção, mas tenta um último suspiro na Suprema Corte.
O argumento de perseguição é onipresente entre os presos ou condenados. O presidente Lula é o exemplo mais bem-sucedido de volta por cima após passar uma temporada na cadeia e, segundo ele com base na anulação de processos, provar que teria sido vítima de abusos.
Quando Temer foi preso em 2019 por ordem de Bretas e na esteira de suposto esquema de corrupção na Eletronuclear, até o PT de Lula — que chamava o emedebista de “golpista” por causa do impeachment de Dilma Rousseff — criticou o que seriam excessos do MP e da Justiça.
Já Bolsonaro, agora réu por tentativa de golpe de Estado depois da derrota eleitoral de 2022, encaixa-se no time dos que se enrolaram na Justiça por conta de ataques à democracia. Outro exemplo recente nesse escopo se deu na Bolívia, com a também direitista Jeanine Áñez.
Daquele país, mas do outro lado do espectro político, o líder esquerdista Evo Morales se livrou na última semana de processo em que era acusado de abusar de uma menor de idade enquanto ainda era presidente. Com contornos cinematográficos, Morales se escondeu por cerca de sete meses numa região cocaleira do país, onde apoiadores fizeram um esquema de vigilância para impedir o cumprimento da ordem de prisão.
Diante do volume de acusações nesses países, as alternativas para escapar da prisão variaram nos últimos anos, e o boliviano ilustra a criatividade. No Equador, Rafael Correa foi mais tradicional e buscou asilo diplomático na Bélgica dizendo que o sucessor e ex-aliado, Lenin Moreno, passou a persegui-lo por meio das instituições. O mesmo instrumento foi usado pelo panamenho Ricardo Martinelli, mas na Nicarágua.
A história mais trágica aconteceu no Peru. Alvo de ordem de prisão, também no âmbito da Operação Lava-Jato, Alan García cometeu suicídio com um tiro na cabeça.