As cotas para pessoas negras em concursos públicos são adotadas por 1,4% dos municípios brasileiros, ou seja, 76 cidades, aponta um levantamento feito pela República.org com dados da Flacso (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais).
A administração pública federal tem leis de cotas desde 2014. No mês passado, o Senado renovou a regra ao aprovar uma nova lei, que foi assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nesta terça-feira (3).
A regra não vale para estados ou municípios, que têm autonomia para tomar essa decisão em seus processos de contratação de servidores.
É comum que uma política pública adotada em âmbito federativo seja usada como referência em administrações subnacionais, e, nesse caso, houve um aumento de estados e municípios que criaram cotas em concursos públicos após 2014, afirma Paula Frias, coordenadora de dados da República.org.
A porcentagem de cidades que têm cotas em concursos públicos, no entanto, é considerada baixa pela pesquisadora. Um dos motivos que podem explicar isso é que, no agregado, a porcentagem de pessoas negras no funcionalismo público municipal chega a 56,1%.
Segundo Paula Frias, um dos motivos que podem explicar por que há um número relativamente baixo de cidades que adotaram cotas em concursos é que essa pauta da representatividade no funcionalismo não é uma prioridade porque, no agregado, há um equilíbrio. No entanto, isso se deve ao fato de, nas prefeituras, parte significativa dos servidores ser formada por profissionais de ensino, de saúde e guardas municipais, categorias que provavelmente têm grande representação de pessoas negras.
Os dados da República.org mostram que, nas prefeituras, pessoas negras ocupam cerca de 48% dos cargos de liderança, mas ainda há uma desvantagem salarial: entre o funcionalismo público municipal, as mulheres negras recebem 72% dos rendimentos dos homens brancos. Para Frias, esse é um sinal de que há uma baixa porcentagem de pessoas negras nos cargos considerados como “elite” entre os servidores, como auditores ou gestores.
O problema, diz Luiz Augusto Campos, professor de sociologia e ciência política no Iesp-Uerj, é que “as carreiras no Estado têm muitas hierarquias, e as remunerações são muito assimétricas”, ou seja, os salários e as condições de trabalho na administração federal são mais atrativos do que em outras esferas e, por isso, a pressão política por cotas em concursos públicos federais é historicamente mais intensa.
Para ele, o ideal seria simplificar as faixas de hierarquia no serviço público que criassem carreiras com mais semelhanças nos diferentes cargos e se instituísse uma política de cota de acordo com esses níveis hierárquicos.
Clara Marinho, servidora do Ministério do Planejamento e conselheira do República.org, afirma que o sistema de cotas raciais não é uma bala de prata, ou seja, ele não vai resolver a questão da desigualdade racial no país, mas “se propõe a reduzir as injustiças e equiparação das oportunidades”.
Na administração pública federal a lei tem pouco mais de 10 anos e, hoje, há 38,1% de pessoas negras entre os servidores. No governo federal, há um decreto que cria reservas por nível de escalão, diz Paula Frias.
O presidente Lula sancionou uma matéria do Senado que prorroga a regra na administração federal com algumas novidades: a reserva de vagas subiu de 20% para 30% e estão previstas também cotas para indígenas e quilombolas, embora o texto não explicite qual a porcentagem das vagas de concursos destinadas a eles.
O plano inicial do senador Paulo Paim (PT-RS), que apresentou o texto, a ideia era um prazo mais longo, de 25 anos, mas na tramitação isso diminuiu para 10 anos —segundo ele, esse é o tempo mínimo “para se aferir se as cotas atingiram os efeitos que se almejava”.