Prisão do MC Poze do Rodo, nesta quinta-feira (29)Reginaldo Pimenta / Agencia O Dia
Descalço e sem camisa, MC Poze foi preso em casa, no Recreio dos Bandeirantes, e levado à Cidade da Polícia, no Jacaré, Zona Norte. No local, ele prestou depoimento e, em seguida, foi encaminhado à Cadeia Pública de Benfica, também na Zona Norte. A prisão do cantor faz parte de uma investigação que apura a prática de apologia ao crime, através das letrasdas músicas, além da suspeita de envolvimento com a facção criminosa Comando Vermelho (CV).
Ao DIA, a pesquisadora de funk e diretora da plataforma Afrofunk Rio, Taísa Machado, descreveu a motivação da prisão do MC como sendo baseada em racismo. Ela citou algumas outras obras que são consideradas arte e não são tratadas da mesma forma que o funk.
“‘Cosmococa’, de Hélio Oiticica, que é considerada uma obra de arte, é sensacional e tudo mais. É uma apologia? ‘Lolita’ é uma apologia à pedofilia? Por que os artistas de funk são considerados bandidos e não artistas? Eles estão fazendo crônicas sobre a cidade, pontuando, narrando a história da cidade, dos territórios. É sempre uma discussão muito rasa, porque ela parte do ponto do racismo e do preconceito de classe. Vi muita gente argumentando que a pessoa está cantando no baile com o fuzil, mas ele não estava com fuzil na mão. Ele estava fazendo o que ele faz, que é cantar. Na realidade, quem está segurando o fuzil é que está fazendo alguma coisa errada”, opina.
Nas redes sociais, a forma com que a prisão foi conduzida foi comparada a outras que também tiveram grande destaque, como a do ex-deputado Roberto Jefferson, que recebeu a Polícia Federal a tiros e, logo em seguida, foi fotografado conversando amigavelmente com os policiais; a do bicheiro Rogério de Andrade, que foi conduzido sem ser algemado ou tocado pelos agentes; até mesmo, o caso do influenciador Renato Cariani, réu por tráfico de drogas e, até o momento, não foi preso.
Fundador do jornal Voz das Comunidades, Rene Silva acredita que a motivação da prisão de Poze é infundada. “O problema da criminalidade nas favelas não é dos artistas, não é dos ativistas, nem nada do tipo, é puramente do Estado, que não consegue resolver o problema da criminalidade e só pensa sob o olhar da polícia”, analisa.
Taísa classifica as falas do secretário como sendo “muito pesadas”. “Atinge uma classe inteira de artistas, atinge um movimento inteiro que, neste momento, ganha muita visibilidade internacional. A gente que vê o mundo inteiro interessado em funk e a cidade onde ele nasceu ainda chama esses artistas de ‘falsos’. Se ele é um ‘falso artista’, ele está participando de uma falsa arte, isso que dá a entender. A gente está em uma cidade que não valoriza uma coisa que é valorizada pelo mundo inteiro”, lamenta.
“Mais uma vez o funk está sendo tratado pela segurança pública e não pela Secretaria de Cultura, o que é muito triste, porque é muito antigo. Desde a CPI do funk, de 1999, a lei anti-baile funk, o próprio projeto de lei do Oruam, todos eles têm o mesmo argumento: a apologia ao tráfico. São mais de 20 anos nessa discussão, em que não se resolve o problema do tráfico de drogas”, pontua a especialista, que continua:
“A única maneira que o Estado se relaciona e conversa com o funk é de forma autoritária e violenta. Em nenhum momento trata os artistas de funk como artistas de uma cultura de alta categoria, como todas as outras. É uma cultura muito popular, muito consumida, muito difundida e o Poze não é o primeiro. Infelizmente, eu acredito que ele não vai ser o último”.
Rene, que já trabalhou com o cantor em algumas ações sociais no Complexo do Alemão, na Zona Norte, exalta o trabalho do MC. “Para mim, o Poze é o Marlon Silva, um cara sonhador que hoje vê na música a oportunidade de mudar a sua vida e de milhões de jovens brasileiros que têm a possibilidade de sonhar vindo de uma favela e sendo uma pessoa conhecida por sua arte. Ele, assim como outros grandes artistas, se apresenta em bailes funks, um dos poucos lugares de lazer para pessoas pobres e favelada”, disse.