O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), confirmou nesta segunda-feira (9) que a Casa vai cumprir a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) e decretar a perda do mandato da deputada Carla Zambelli (PL-SP). A sinalização do deputado acontece em meio ao movimento da oposição para tentar evitar a cassação da parlamentar da bancada do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro.
No sábado (7), o ministro Alexandre de Moraes definiu que Carla Zambelli passou a ser considerada condenada em definitivo pelo STF, determinou o início imediato do cumprimento de pena de dez anos de reclusão em regime fechado e também enviou uma comunicação ao presidente da Câmara dos Deputados para que se execute a perda de mandato. Ele ainda determinou que o governo brasileiro, por meio do Ministério da Justiça e Segurança Pública, formalize um pedido de extradição à Itália, país onde Zambelli está desde que deixou o Brasil.
“Quando há uma conclusão de julgamento do Supremo Tribunal Federal, não cabe mais ao presidente da Câmara colocar isso em votação, porque já tem a condenação. Então, a decisão judicial tem que ser cumprida”, afirmou o parlamentar durante debate promovido pelos jornais Valor Econômico, O Globo e rádio CBN em São Paulo.
O presidente da Câmara indicou que o caso de Zambelli é “atípico” e “não tem precedente na Câmara dos Deputados”. A deputada foi condenada a 10 anos de prisão, a perda de mandato e ao pagamento de R$ 2 milhões em multa no caso envolvendo a invasão ao sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
“O tratamento que nós vamos dar é um tratamento de seguir o rito regimental para o cumprimento da decisão do Supremo Tribunal Federal, porque é a única alternativa. É a única coisa que nós temos a fazer para o momento em que o processo judicial dela foi concluído com a sua condenação”, completou o presidente da Câmara.
Apesar disso, integrantes da bancada do PL indicaram que pretendem conversar com Hugo Motta para tentar postergar a declaração de perda do mandato por parte da Câmara.
“O ministro Alexandre de Moraes faz chicana jurídica para cassar o mandato da deputada Carla Zambelli sem que seja apreciado pelo plenário. Vamos procurar o presidente Hugo Motta e cobrar que ele não se submeta a essa manobra do STF”, defendeu o deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), líder do PL na Câmara.
Saída de Zambelli do Brasil acelerou conclusão do caso no STF
Segundo Hugo Motta, a opção de cumprir a decisão do STF pela perda de mandato acontece após a Corte rejeitar, na última sexta-feira (6), os recursos contra a condenação apresentados pela defesa de Zambelli. Após o julgamento da Primeira Turma da Corte, o ministro Alexandre de Moraes mandou notificar a Presidência da Câmara para o cumprimento da perda de mandato.
“Primeiro ela teve o seu processo tramitando, veio uma decisão de condenação e estava em sede de embargos. Quando chegou nessa sede de embargos, a deputada decidiu ir para outro país. Porque, penso eu, ela tinha a cidadania lá da Itália, que ela teria lá, vamos dizer, a oportunidade de não cumprir uma possível pena que o Supremo Tribunal Federal já tinha decidido no assunto que envolve lá um dos processos que ela tem”, afirmou Hugo Motta.
Zambelli deixou o país na última semana em meio ao pedido de prisão preventiva decretado por Alexandre de Moraes. Após essa saída, Hugo Motta chegou a aceitar o pedido de licença da deputada por um prazo de 127 dias, período em que havia a expectativa por parte da oposição de que a Câmara não pautasse o pedido de cassação do mandato da deputada.
Deputados de partidos como PSD, Republicanos e PP, ouvidos pela reportagem, admitem que Zambelli não tinha bom trânsito com todos os partidos, o que poderia dificultar o cenário. A avaliação é diferente, por exemplo, no caso do deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), caso em que aproximadamente 300 parlamentares votaram pela suspensão da ação penal sobre a suposta tentativa de golpe de Estado.
Na ocasião, o movimento do Centrão foi visto como uma forma de mandar um recado ao STF diante das interferências do Judiciário frente ao Legislativo. Agora, a avaliação desses líderes é de que não haveria a mesma disposição no caso de Zambelli.
Apesar disso, a deputada chegou a afirmar que tem “esperança” de não ter o seu mandato cassado. “Vou continuar lutando pelo meu mandato e pela verdade, mas agora de fora do país, diante do atual cenário. Qualquer decisão tem que passar pela Câmara antes e a Câmara pode votar pela não cassação”, disse Zambelli.
Em nota, a oposição afirmou que o pedido de prisão de Zambelli “é uma afronta à Constituição e trata-se de um ato político, autoritário e persecutório”. “A escalada da ditadura do Judiciário, que hoje atinge a deputada Carla Zambelli, já avançou sobre outros parlamentares e centenas de cidadãos brasileiros, muitos deles presos indevidamente e outros tantos exilados no exterior”, salientou o grupo de parlamentares no posicionamento.
Ministério da Justiça vai conduzir pedido de extradição
Neste momento, Carla Zambelli é considerada foragida pela Justiça e o seu nome, inclusive, foi incluído na lista de difusão vermelha da Interpol. A deputada informou que estaria na Itália por ter cidadania daquele país.
Ainda no sábado (7), o ministro Alexandre de Moraes decidiu encaminhar a documentação do caso ao Ministério da Justiça para dar início a um processo de extradição da deputada. Segundo o magistrado, Zambelli saiu do Brasil com “objetivo de se furtar à aplicação da lei penal, em razão da proximidade do julgamento dos embargos de declaração opostos contra o acórdão condenatório”.
A Polícia Federal (PF) confirmou que Zambelli desembarcou em Roma na última quinta-feira (5), às 11h. Agentes chegaram a planejar uma operação, mas a prisão só não ocorreu porque, àquela altura, a Interpol ainda não tinha inserido o nome da deputada licenciada na difusão vermelha.
Agora, para cumprir o pedido de extradição, o Ministério da Justiça, comandado por Ricardo Lewandowski, precisa formalizar o processo junto ao Ministério das Relações Exteriores, que ficará responsável por encaminhar a solicitação à chancelaria italiana.
“Essa documentação está em tramitação. Quando chegar ao Ministério da Justiça, nós vamos fazer o trabalho protocolar, apenas sem entrar no mérito, de enviar ao governo italiano este pedido que vem do Supremo Tribunal Federal”, disse Lewandowski.
Com o pedido em mãos, caberá à Itália decidir se aceita ou nega a extradição, seguindo o que prevê o acordo entre os dois países e legislação própria. Em casos de dupla cidadania da pessoa alvo do pedido de extradição, por exemplo, pode haver a “recusa facultativa”.
Decisão sobre perda de mandato deveria ser do Legislativo
Segundo o texto constitucional, a perda do mandato após condenação criminal só pode acontecer se for decidida pelo plenário da Câmara, com maioria absoluta dos votos e após um pedido formal da Mesa Diretora ou de um partido político. Ou seja, o STF não tem o poder de decretar essa cassação por conta própria. “Em matéria de perda de mandato, a Constituição atribui o poder decisório aos pares do congressista, não a togados”, afirmou a consultora jurídica Katia Magalhães.
Em entrevista à Gazeta do Povo, ela explicou que o artigo usado pelo próprio Moraes para justificar cassar Zambelli por conta própria diz exatamente o contrário do que a decisão sugere.
“O dispositivo da CF é muito claro no sentido de atribuir à Casa legislativa a decisão sobre cassar ou não o mandato. Temos que ter em mente que a CF de 88 foi concebida após um regime de força. Ainda muito vívidos os traumas do período autoritário, o texto constitucional foi redigido para blindar representantes eleitos contra arbítrios advindos de outros poderes”, afirma Magalhães.
O parágrafo 2º do artigo 55 tem a seguinte redação: “Nos casos dos incisos I, II e VI [inciso VI é o citado por Moraes], a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa”.