O projeto de lei que muda e desmonta as regras do licenciamento ambiental e que vai ser votado hoje no Senado é um risco para o país, para a economia, para o agronegócio, para o meio ambiente. Quero falar de pontos concretos. O texto estabelece a LAC, Licença por Adesão e Compromisso, que é a autodeclaração do empreendedor. Ou seja, o empreendedor é que vai dizer se o projeto está de acordo com a legislaçao ambiental ou não, e evidentemente o empreendedor não é a melhor pessoa para falar do interesse público. Ele só pode falar do seu interesse privado, mas o interesse público quem tem que cuidar é o Estado através dos reguladores ambientais.
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O Brasil tem uma experiência muito ruim com a autodeclaração, o Cadastro Ambiental Rural (CAR), onde a pessoa declara ser o legítimo proprietário daquela terra, e depois teria que ser validado pelo governo estadual. Se o governo demora, fica a palavra da pessoa, e já se acumulam casos de “proprietários” de terra pública ou indígena, ou em reserva ambiental.
O texto foi Aprovado ontem na Comissão de Meio Ambiente do Senado por voto simbólico e também na Comissão de Agricultura. Os parlamentares argumentam que o PL tramita há 20 anos. O fato de estar por 20 anos, no entanto, não torna um projeto ruim nem bom.
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Outra proposta do PL é acabar com as consultas das comunidades tradicionais. O texto está dizendo que essa oitiva fica restrita a indígenas e quilombolas com terras homologadas ou tituladas. O problema é que o processo de homologação é lento no Brasil mesmo de terras que são reconhecidamente indígenas. Na prática, isso vai significar que poderá ser feita qualquer coisa em terra indígena, ainda não homologada, mas por homologar. É preciso ouvir todos que moram na região, a comunidade tradicional.
O texto “simplifica” a licença ambiental de obras, como viadutos, pontes, estradas, hidrelétricas. Simplificar parece uma notícia boa, mas não nesse caso. Hoje existe um processo a Licença Prévia, a Licença de Instalação e depois a Licença de Operação. Parece redundante, mas não é. Primeiro o empreendedor diz que está pensando em fazer um projeto, e é dada a licença. Depois ele faz o projeto detalhado, e aí o órgão regulador pode dizer que é um bom projeto e depois de feito o projeto, o governo precisa dizer se ele obedeceu todas as condicionantes e todos os critérios estabelecidos. Por que tem essas três etapas? Exatamente para que o órgão ambiental acompanhe cada passo. Se houver apenas uma licença, a obra pronta não tem como retroceder, o dano já está feito.
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Há outro ponto preocupante: pelo novo regramento, melhorias em projetos já existentes passam a não precisar mais de licenciamento que considere danos ambientais indiretos. Marcos Woortmann, diretor-adjunto do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), chama atenção para a controversa BR 319, que liga Manaus a Porto Velho. A estrada existe precariamente, a mata a tomou em grande parte e hoje se discute refazer a pavimentação da rodovia que corta a Floresta Amazônica, reservas ambientais, terras indígenas. É na verdade uma nova obra. E portanto precisa sim de uma nova licença.
Se aprovado o novo regramento a risco de ser judicializado, como destacou senadora Eliziane Gama. Mesmo entendimento do presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado, Fabiano Contarato, que avalia que o texto fere o princípio da Constituição que garante o direito ao meio ambiente sadio, e quem é o guardião desse direito, diz o senador, é o Estado brasileiro, os órgãos ambientais.
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Esse é um projeto que é do interesse e foi feito pelo agronegócio, pelos empreendedores, pelo lobby das hidrelétricas. Todos esses lobbies se juntaram para aprovar esse texto. Como tenho alertado aqui, no caso do agronegócio, esse tipo de projeto é sempre um tiro no pé. O agronegócio precisa se pacificar com o meio ambiente saudável. Caso insista em continuar produzindo com a destruição do meio ambiente, o setor enfrentará barreiras internacionais, que estão cada vez mais rigorosas. Os defensores do agronegócio no Congresso Nacional estão fazendo um trajeto oposto ao que deveriam. É preciso proteger o meio ambiente para fortalecer o agronegócio brasileiro e a imagem de um agronegócio sustentável. Mas a visão do setor é completamente equivocada, ao tratar o meio ambiente e toda a questão ambiental como se fosse um estorvo ao agronegócio.
Em tudo, esse PL enfraquece o arcabouço de estrutura ambiental do país. É um perigo o texto que será votado nesta quarta-feira no plenário do Senado.