O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), decidiu ontem esfriar o andamento do projeto da anistia aos envolvidos nos ataques do 8 de janeiro de 2023, mas se disse aberto à possibilidade de debater outro formato do texto. Após reunião com líderes de diferentes partidos, o deputado sinalizou não ter uma data para pautar o requerimento de urgência da proposta que inocentaria os envolvidos nas invasões às sedes dos três Poderes. Motta negocia a possibilidade de fazer uma alteração na lei para reduzir as penas dos crimes praticados pelos réus que depredaram patrimônios públicos após as eleições de 2022. Deputados da oposição sinalizaram que concordam com essa alternativa.
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— O colégio de líderes discutiu de forma exaustiva a urgência da anistia. Foi decidido pelo adiamento da pauta desse requerimento. Os líderes que representam a maioria decidiram que isso não entra na pauta da próxima semana — disse Motta.
O deputado disse ainda que o tema seguirá em discussão, em busca de uma “saída”. Ele descartou, contudo, a possibilidade de uma comissão especial para o tema, hipótese cogitada por parlamentares.
A proposta que tramita na Câmara é ampla e poderia beneficiar até mesmo o ex-presidente Jair Bolsonaro, réu no Supremo Tribunal Federal (STF) por liderar uma suposta tentativa de golpe em 2022.
‘Luz no fim do túnel’
O projeto alternativo deve ser apresentado, com relatório, e seguir para a deliberação de líderes da Casa. Motta quer que a solução ocorra no Congresso, mas com um texto que seja acordado entre oposição, o governo e até ministros do STF, para evitar questionamentos na Corte.
— Nós vamos seguir dialogando. Os partidos que defenderam o adiamento se dispuseram a dialogar. Os partidos de oposição também toparam dialogar sobre o mérito do projeto. Mostra uma luz no fim do túnel. Ninguém aqui defende penas exageradas, como houve. Há um sentimento de convergência de que algo precisa ser feito — acrescentou Motta.
Já a oposição também assumiu a possibilidade de conversar com o governo e ministros do Supremo para que se chegue a um ponto de vista consensual. Mas ressaltou que continuará a fazer “obstrução regimental” para pressionar.
— Já temos um esboço de uma proposta sintética, para contemplar somente o dia 8 de janeiro e com penas para as pessoas que cometeram depredação de patrimônio, com imagens comprovadas. Queremos processos individualizados, como manda a Constituição brasileira — disse o líder do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ).
A ideia da oposição é derrubar a punição por crimes de organização criminosa armada, além de tentativa de golpe de Estado e tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, atribuídos aos envolvidos nos ataques às sedes dos Poderes. Com isso, os alvos de processos só passariam a responder pela depredação.
No STF, porém, há o entendimento de que essa medida unilateral do Congresso seria considerada inconstitucional. De acordo com magistrados, uma saída que poderia ser levada adiante pelo Congresso seria alterar a legislação de crimes graves relacionados à tentativa de golpe. Isso pode ser feito com a previsão de penas mais brandas para quem não lidera a agressão às instituições, mas adere ao movimento sem poder de mando.
Ontem, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), defendeu o diálogo sobre o texto que tramita no Congresso, mas ressaltou que os apontados como líderes da tentativa de golpe, como é o caso Bolsonaro, não podem ser beneficiados:
— Eventuais injustiças na chamada dosimetria (das penas) precisam ser, evidentemente, consideradas por nós. Mas vários de nós falamos que não é possível anistiar os generais, quem planejou, quem organizou, quem manipulou pessoas inocentes com a tentativa de golpe. Não pode. Não tem anistia para quem comete crime contra a democracia.
Na noite de anteontem, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se reuniu com Motta e líderes da Casa em um jantar. De acordo com presentes na residência oficial da presidência da Câmara, o petista se posicionou de forma contrária ao perdão aos condenados pelos atos golpistas.
Lula, porém, não falou diretamente aos líderes como deveriam votar em relação ao tema. O presidente disse ainda aos deputados que pretende concorrer à reeleição “se tiver saúde”.
O relator da proposta de anistia na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Rodrigo Valadares (União-SE), recebeu apelos da oposição para que continue à frente do tema.
— Estamos à disposição de dialogar. Temos que aguardar o que os partidos de governo e centro desejam. Temos a disposição em receber uma contraproposta, buscar o diálogo, inclusive com o STF. Nossa intenção não é criar ou agravar uma crise institucional — afirmou Valadares.
STF volta a debater penas
No STF, há uma preocupação com iniciativas que possam entrar em choque com os julgamentos da Corte. O caso da cabeleireira Débora Rodrigues, neste sentido, pode representar uma nova fase na dosimetria do tribunal. Débora está em prisão domiciliar e é julgada por ter participado do 8 de Janeiro, além de ter pichado a estátua “A Justiça”, em frente ao Supremo, com a frase “Perdeu, mané”. O caso será retomado hoje no plenário virtual, com expectativa de uma proposta de pena menor pelo ministro Luiz Fux.
Ontem, o ministro Cristiano Zanin desarmou uma outra frente da mesma batalha travada pela oposição. O PL pretendia usar uma brecha legal para tentar paralisar o processo que corre na Corte contra Bolsonaro e outros acusados de golpe, a partir de um recurso sobre a inclusão do deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ).
Como Ramagem tem mandato, a Câmara possui a prerrogativa de sustar ação após o momento em que o parlamentar vira réu. Em ofício, porém, Zanin esclareceu a Motta que não é possível que a ação penal seja integralmente trancada.
Zanin explicou que a ação contra Ramagem só poderia ser suspensa em relação a ele e especificamente quanto aos crimes que foram praticados após a diplomação como deputado, ou seja, os crimes contra o patrimônio. O entendimento é que ele é acusado de participar da trama golpista antes de assumir o mandato.