Dois dias após a Operação Sem Desconto, da Polícia Federal e da Controladoria-Geral da União (CGU) ser deflagrada, ainda não está claro como aposentados e pensionistas do INSS serão ressarcidos de descontos indevidos em seus benefícios nos últimos anos. Por ora, o que se sabe é que o valor deduzido da remuneração de abril será devolvido na folha de pagamento de maio, com pagamento de 26 de maio a 6 de junho.
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Em nota, o Ministério da Previdência se limitou a afirmar que a devolução de descontos associativos não reconhecidos pelo beneficiário antes de abril de 2025 será avaliada por grupo da Advocacia-Geral da União (AGU). A pasta acrescenta ainda que, como os acordos e, consequentemente, os descontos estão suspensos, os segurados não precisam solicitar o cancelamento e não é necessário ir a uma agência do INSS.
Na quinta-feira, o INSS chegou a divulgar nota em que orientava o segurado a procurar a associação envolvida para pedir o recurso de volta. “A devolução dos valores é feita diretamente pela entidade”, afirmava o texto.
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Apesar do salto nas queixas, este foi o procedimento recomendado a beneficiários antes da operação. A aposentada Regina Rodrigues, de 61 anos, teve três parcelas de R$ 81,57 descontadas nos meses de fevereiro, março e abril, em nome da Amar Brasil Clube de Benefícios (ABCB).
Ela procurou o INSS e foi orientada a tratar do tema com a associação. A aposentada conseguiu reaver os valores de fevereiro e março, mas não o de abril. Para dar andamento ao pedido, teve de enviar foto do documento de identidade. A ABCB informou que o cancelamento poderia ter sido feito antes e, por isso, não devolveria. E não esclareceu como os descontos foram feitos sem autorização.
— Quando as pessoas vão entrar em contato, as entidades começam a pedir CPF, RG, comprovante de residência, dados bancários. Mas espera aí: você já está sendo vítima de uma fraude e ainda vai enviar todos os seus documentos para quem está te prejudicando? Isso só piora a situação — afirma Diego Cherulli, diretor do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), alertando que a devolução costuma ser parcial, apenas dos últimos dois meses.
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Procurada, a ABCB afirmou em nota que não devolveu o valor descontado no terceiro mês para sustentar as despesas da suposta contratação dos serviços. “A empresa reconhece que houve outros descontos, mas ressalta que também foi necessário arcar com custos para manter o benefício ativo.
Para evitar cobranças indevidas, disponibilizamos, desde o primeiro desconto, o número do 0800 no contracheque, para que o beneficiário pudesse entrar em contato em caso de dúvidas ou questionamentos”, informa a nota.
O volume de aposentados e pensionistas prejudicados está em aberto. O total de descontos aplicados entre 2019 e 2024 soma R$ 6,3 bilhões, mas não se sabe quanto disso foi debitado irregularmente. Em entrevistas da CGU com amostra de 1.300 aposentados, 97% não haviam autorizado o débito.
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O número de exclusões de mensalidades associativas não autorizadas que eram descontadas direto na folha aumentou mais de 77 vezes em quatro anos. O número saltou de 18.690 em 2020 para 1.453.694 em 2024.
A advogada previdenciária Jeanne Vargas destaca que existe um padrão preocupante: muitos clientes só descobrem os descontos quando procuram ajuda para resolver outros problemas com seus benefícios.
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— Como são valores relativamente pequenos, as pessoas tendem a não monitorar com atenção o valor bruto de seus benefícios, focando apenas no líquido que cai na conta — alerta Jeanne. — Essa falta de fiscalização facilita a continuidade desses descontos irregulares por longos períodos.
Foi o caso do advogado previdenciário aposentado Manoel Fariña, de 80 anos. Desde março de 2024, ele vinha sofrendo descontos mensais em sua aposentadoria, com valores repassados à ABCB. O filho dele, Mauricio Fariña, de 53 anos, também advogado especializado em Direito Previdenciário, identificou a cobrança após tomar conhecimento de casos semelhantes divulgados pela imprensa.
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— Eu e minha equipe passamos a verificar os extratos dos nossos clientes — disse Maurício. — Qual não foi nossa surpresa ao encontrar uma dessas cobranças justamente na conta do meu pai.
Segundo Maurício, o pai dele nunca teve contato com a associação. Após confirmar a cobrança, Maurício solicitou o cancelamento do débito pelo aplicativo do INSS e enviou e-mail à instituição pedindo esclarecimentos. Ao todo, foram dez parcelas de R$ 46,90 em 2024 e quatro de R$ 49,14 em 2025. No total, R$ 670 foram descontados da aposentadoria de Manoel e destinados à ABCB, sem autorização.
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De acordo com as investigações, algumas associações são suspeitas de falsificar assinaturas de autorização dos beneficiários. Além disso, 70% das associações não apresentaram a documentação necessária para se habilitar a efetuar os descontos.
No ano passado, a psicóloga Líria Santos, de 31 anos, fez uma checagem de rotina no extrato de sua mãe, Almerita dos Santos, de 68 anos, trabalhadora rural aposentada. Identificou desconto mensal de R$ 60 creditado a uma das associações investigadas.
— Nunca autorizamos esse débito. Minha mãe não se lembra de ter contratado nenhum serviço ou associação — afirma Líria.
Segundo o extrato, a cobrança foi iniciada em junho de 2023, sendo encerrada em agosto de 2024, após Líria e Almerita realizarem o cancelamento pelo Meu INSS. A família entrou na Justiça e obteve ganho de causa. Durante o processo, a defesa da associação chegou a apresentar uma gravação em que Almerinda aparentava estar aderindo ao pagamento para a associação.
— A mulher do telefone já tinha as informações: CPF, número do benefício e pedia confirmação — diz Líria. — Quando minha mãe demorava, a forçavam a dizer “sim”.
Segundo ela, o diálogo foi conduzido com termos técnicos e fala acelerada, dificultando a compreensão. O juiz considerou a adesão inválida.
*Roberto Malfacini, estagiário, sob a supervisão de Danielle Nogueira