Encurralado pela ameaça de derrubada do decreto que elevou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) pelo Congresso, o governo apresentou às lideranças do Legislativo um novo pacote para substituir a proposta inicial e salvar a meta fiscal. Mais uma vez, o Executivo recorreu a alternativas para aumentar a arrecadação, deixando de lado reformas estruturais capazes de alterar a dinâmica do gasto público.
Convocada em pleno domingo, a reunião entre ministros do governo e parlamentares durou quase seis horas e avançou pela noite, sugerindo um plano ambicioso de reequilíbrio das contas públicas. Mas a entrevista coletiva concedida na residência oficial da Câmara frustrou quem esperava o anúncio de um pacto entre os poderes em nome da responsabilidade fiscal.
O decreto do IOF será recalibrado, com ajustes nas operações de crédito e câmbio que reduzirão a arrecadação que se projetava. O principal deles diz respeito a operações de risco sacado, que permitem a antecipação de recebíveis por fornecedores pequenos e médios tendo como garantia vendas para grandes empresas. Depois de muitas críticas, elas não terão mais alíquota fixa, mantendo apenas a variável, o que reduzirá a taxação inicialmente prevista pelo decreto em 80%.
Para compensar essas perdas, o Executivo editará uma medida provisória que tributará títulos de renda fixa atualmente isentos, como as Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e do Agronegócio (LCA), com alíquota de Imposto de Renda de 5%. Aplicações financeiras terão alíquota única de IR de 17,5%, e não mais escalonada conforme o prazo em que o investimento é mantido em carteira.
As apostas online, cuja tributação sobre a receita bruta havia sido fixada em 12% pelo Congresso, terão taxa de 18%, como o Executivo havia proposto originalmente. A Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) deixará de ter alíquota padrão de 9%, que valia para instituições financeiras, como fintechs, e passará a ter apenas as mais altas, de 15% e 20%.
Na área de despesas, ao contrário do que havia sido aventado na semana passada, o pacote não tocará nas vacas sagradas do Orçamento. Não haverá mudanças nos pisos constitucionais da saúde e da educação, hoje vinculados ao comportamento das receitas, e benefícios assistenciais e previdenciários permanecerão atrelados ao salário mínimo.
No lugar delas, a equipe econômica sugeriu uma proposta de redução linear, de 10%, em benefícios fiscais via projeto de lei complementar. De saída, foram descartadas mudanças em alguns dos maiores gastos tributários da União, tais como Zona Franca de Manaus, Simples Nacional, cesta básica e entidades filantrópicas e sem fins lucrativos.
O Executivo também mencionou a evolução, ao longo do ano, de despesas com o Benefício de Prestação Continuada (BPC), o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), os Fundos de Participação de Estados (FPE) e Municípios (FPM) e as emendas parlamentares, mas ainda não há acordo sobre esses temas.
Ainda assim, o pacote já gerou descontentamento. Ladeado pelos presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), o ministro da Fazenda chegou a classificar a reunião como “histórica”, mas o clima que parecia amistoso na noite de domingo era outro na manhã de segunda-feira.
A medida provisória, segundo Haddad, só será enviada ao Congresso depois que o presidente Lula da Silva retornar da França, mas Motta já disse não haver compromisso dos parlamentares em aprová-la – provavelmente em razão do incômodo da bancada ruralista e do setor imobiliário com a taxação da LCA e da LCI, ainda que ambos mantenham vantagens sobre outros produtos financeiros.
O problema de fundo permanece e deve se agravar quando o governo detalhar a parte mais sensível do pacote: a redução linear dos benefícios fiscais. Motta já não descarta a possibilidade de que, em dois ou três meses, esse debate se repita e novas medidas para aumentar a arrecadação sejam discutidas.