Crédito, EPA-EFE/REX/Shutterstock
- Author, Julia Braun
- Role, Enviada especial da BBC News Brasil a Paris (França)
- Twitter, @juliatbraun
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está sendo recebido nesta quinta-feira (5/6) pelo líder francês Emmanuel Macron em Paris, em sua primeira visita de Estado ao país europeu durante seu terceiro mandato.
Ao longo da visita, as imagens dos dois líderes sorrindo, caminhando de mãos dadas e trocando gestos de afeto reforçaram a narrativa de um “bromance” diplomático, amplamente repercutido na imprensa internacional.
E a expectativa é que o clima de amizade seja mais uma vez explorado nos próximos dias.
Para especialistas em política externa dos dois países, a relação entre Macron e Lula é, ao mesmo tempo, uma aposta de projeção internacional e uma estratégia pragmática de enfrentamento de crises internas por parte de ambos.
Se, por um lado, o Brasil busca o apoio francês para aprovar o acordo União Europeia-Mercosul e fortalecer sua campanha por reforma no Conselho de Segurança da ONU, Paris também tem suas próprias agendas.
“Um precisa do outro”, diz Kevin Parthenay, professor de Ciência Política da Universidade de Tours e copresidente do Observatório para a América Latina e o Caribe da SciencesPo.
“Macron e Lula compartilham muitas perspectivas comuns e também vivem realidades de certa forma semelhantes na política interna e internacional”
Desempenho político em tempos de crise
Entre os desafios partilhados pelos dois líderes está o enfrentamento de crises e oposição crescente no cenário doméstico, diz Carolina Pavese, doutora em Relações Internacionais pela London School of Economics (LSE) e especialista em Europa.
“Os dois estão em uma situação frágil e encontram muita resistência por parte da oposição para poder avançar com a sua agenda de política doméstica”, avalia a professora do Instituto Mauá de Tecnologia (IMT).
Já Macron trabalha com um Parlamento fragmentado e depende do apoio de outras forças políticas para aprovar novas leis e projetos.
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Tanto Lula quanto Macron também têm visto sua popularidade entre o público cair.
Segundo um levantamento do PoderData divulgado na terça-feira (3/6), a desaprovação do governo do presidente brasileiro atinge 56% da população.
Já uma pesquisa Datafolha do início de abril apontava que 29% dos eleitores classificavam o governo como ótimo ou bom, 38% como ruim ou péssimo.
Na França, apenas 26% da população demonstra uma visão favorável em relação a Macron, segundo um levantamento de abril da Ipsos em parceria com a Cesi École d’Ingénieurs para o jornal La Tribune Dimanche.
Em setembro passado, após enfrentar a dissolução do governo, as eleições legislativas antecipadas e a dificuldade de formar um governo, o presidente francês atingiu seu pior desempenho nesse quesito, com 23% de aprovação.
Por tudo isso, dizem os especialistas consultados pela BBC News Brasil, as relações bilaterais ganham mais relevância.
Como destaca Pavese, “a política externa é o único campo onde Lula e Macron têm conseguido projetar vitórias”.
“A diplomacia é o campo que a oposição não consegue alcançar”, afirma a professora do IMT.
“Ambos precisam do cenário internacional para afirmar sua liderança e compensar o que sofrem no nível interno ou doméstico”, diz ainda Kevin Parthenay.
Busca por protagonismo
Ex-conselheiros de Macron para política externa afirmam ainda que o presidente francês vê o Brasil como uma ponte para expandir sua influência internacional.
Como membro original dos Brics e uma das principais lideranças do Sul Global (termo usado para se referir a nações emergentes da América Latina, África, Ásia e Oceania), o país se apresenta como uma alternativa menos complicada de acesso a esses blocos do que China, Rússia ou Índia, diz Panthenay.
“Falar com o Brasil é falar com o Sul Global”, resume o professor da Universidade de Tours.
E assim como o Brasil, aponta Carolina Pavese, a França tem buscado ocupar um papel de protagonismo regional, para o qual uma ampla e diversificada base de relações é necessária.
“Com a Alemanha enfraquecida politicamente e o Reino Unido fora da União Europeia, Macron viu a oportunidade de se destacar como uma liderança do bloco e vem agindo para isso já há algum tempo”, explica.
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A busca por mais protagonismo internacional do presidente francês se manifesta principalmente por meio das intervenções do governo em Paris nas tratativas sobre o conflito entre Rússia e Ucrânia e, mais recentemente, da adoção de uma postura mais dura em torno dos ataques de Israel a Gaza.
Da mesma maneira, o Brasil e o governo Lula trabalham desde o início de seu mandato em uma campanha para ampliação do protagonismo global.
“O país tenta voltar a ocupar um espaço de protagonismo, representando os países em desenvolvimento nesse novo jogo de xadrez das relações internacionais, principalmente a partir da retração dos Estados Unidos da agenda multilateral.”
O governo Lula também investiu em se posicionar como uma alternativa para a mediação da paz na guerra entre Rússia e Ucrânia, mas muitos críticos classificaram a empreitada como um fracasso.
Algumas declarações do presidente brasileiro sobre a “falta de iniciativa” do líder ucraniano Volodymyr Zelensky nas negociações para um cessar-fogo e sua presença nas comemorações em Moscou do aniversário de 80 anos da vitória soviética sobre a Alemanha nazista na 2ª Guerra Mundial, também não ajudaram sua posição, dizem os especialistas.
“Macron e Lula divergem em sua repressão ou oposição explícita ao [presidente russo] Putin”, diz Pavese, em relação à postura mais dura adotada pelo líder francês — e por toda a Europa.
“Essa divergência não é apenas uma questão de postura ideológica, mas de geografia. Esse conflito acontece no quintal da Europa e é uma questão de segurança nacional para a França. Já para o Brasil, não.”
Uma agenda comum
Mas apesar das divergências em torno do conflito, Macron e Lula deram demonstrações de convergências em temas que vão do combate ao avanço da extrema-direita no mundo, defesa do meio ambiente e a necessidade de um cessar-fogo no conflito na Faixa de Gaza.
A visão de mundo que compartilham inclui ainda a defesa de pautas como direitos humanos, igualdade de gênero e o multilateralismo. Segundo Pavese, essa sintonia simbólica ajuda a amortecer desacordos mais sensíveis.
Está é a primeira visita de Estado de Lula à França em seu terceiro mandato como presidente.
Lula se reuniu com Macron em Paris em junho de 2023, quando participou da Cúpula para um Novo Pacto Financeiro Global, mas a viagem não caracterizou uma visita de Estado.
Esse tipo de evento conta geralmente com uma série de formalidades, como um convite oficial, uma recepção cerimonial e uma agenda abrangente que vai além de negociações ou compromissos específicos.
A última visita de Estado de um presidente brasileiro à França ocorreu em 2012, durante o mandato de Dilma Rousseff.
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Em Paris, Lula foi recebido na manhã desta quinta (horário local) em uma cerimônia oficial no pátio do Hôtel National des Invalides, um monumento histórico que abriga museus militares e o túmulo de Napoleão Bonaparte.
Em seguida, se reúne com Macron no Palácio do Eliseu, sede do governo francês, em uma reunião entre as delegações dos dois países. Após o encontro a portas fechadas, é esperado que haja uma cerimônia de assinatura de atos.
Segundo o Ministério de Relações Exteriores, os dois presidentes devem assinar 20 atos bilaterais, envolvendo acordos de cooperação na área de vacinas, de segurança pública, de educação e de ciência e tecnologia. Um anúncio de investimentos entre os dois países também é esperado.
Também há expectativa de adoção de uma nova declaração dos dois líderes sobre mudança do clima, reforçando o engajamento de ambos os países e a mobilização internacional para a COP30, que será sediada pelo Brasil em novembro deste ano.
O presidente brasileiro ainda foi convidado para um almoço privado e um jantar de gala, ambos na quinta-feira no Palácio do Eliseu.
Também está previsto na agenda bilateral que Lula e Macron visitem uma exposição de artistas brasileiros no Grand Palais, um dos principais espaços de exposições do país.
O que Lula quer?
Além dos interesses em torno de projeção internacional e das agendas comuns, o Brasil também leva um programa próprio a Paris.
Um dos focos do governo Lula é conseguir apoio para a aprovação do acordo União Europeia-Mercosul.
O pacto foi assinado no final do ano passado, mas ainda precisa ser ratificado pelo Parlamento Europeu e os legislativos de cada país de ambos os blocos para entrar em vigor.
Apesar das boas relações bilaterais, Macron declarou em inúmeras ocasiões sua oposição categórica ao tratado de livre comércio concluído em dezembro passado em Montevidéu, no Uruguai, reiterando que o texto finalizado, após 25 anos de discussões, é “inaceitável”.
A reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas também faz parte da agenda permanente de política externa brasileira.
O país defende a ampliação do número de membros permanentes e não permanentes como forma de tornar o órgão mais representativo e democrático. O governo pleiteia uma vaga permanente, usando seu histórico de participação em missões de paz, sua dimensão territorial, população e influência regional como argumentos.
“O Brasil precisa da França em sua campanha por um assento permanente no Conselho de Segurança e o governo francês já disse, clara e diretamente, que apoiaria o Brasil nesse sentido”, aponta Kevin Parthenay, da Universidade de Tours e da SciencesPo.
Lula também prepara o cenário internacional para a COP30, levando para Paris a posição oficial brasileira sobre proteção ambiental.
Após os compromissos em Paris, o presidente seguirá para Nice, onde participa da Terceira Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos (UNOC3).