Visitar uma granja comercial não é nada fácil. Evita-se ao máximo o acesso de quem não trabalha no local. Mesmo aqueles que batem ponto ali devem ficar distantes do aviário caso tenham passado alguns dias na praia, por exemplo. Veículos recebem um jato de desinfetante antes de entrar na propriedade. E podem ser necessárias até quatro chuveiradas supervisionadas para uma pessoa entrar no galinheiro.
As medidas acima não são excepcionais para um país que, há pouco mais de uma semana, descobriu o primeiro foco de gripe aviária em um viveiro comercial. São parte, há anos, do cotidiano de unidades produtoras de frango e ovos no Brasil.
O regime de segurança máxima foi definido pelo Ministério da Agricultura com base em orientações internacionais de biossegurança para evitar a contaminação das aves por doenças como a gripe aviária, que ameaça negócios bilionários.
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Com o caso confirmado na cidade gaúcha de Montenegro, o país — maior exportador do mundo — perdeu o status de livre da doença. Isso pode custar mais de US$ 1 bilhão em vendas suspensas para mais de 60 países até agora, mas é justamente com o rigor sanitário que o setor e o governo contam para sair da crise.
‘Rei do Ovo’ já vendeu picolé e acaba de comprar granja dos EUA
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’Rei do Ovo’, Ricardo Faria já vendeu picolé e acaba de comprar uma das maiores granjas dos EUA — Foto: Reprodução
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A veia empreendedora de Ricardo Castellar Faria — que entrou para a lista de bilionários da Forbes no Brasil no ano passado — vem de longe — Foto: Reprodução
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Aos 7 anos, o garoto, filho de pai médico e mãe engenheira, nascido em Niterói, já faturava um dinheirinho — Foto: Reprodução
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O quintal do pai, em Santa Catarina, tinha alguns pés de laranja e ele decidiu vender a fruta, carregando sacos até o centro da cidade — Foto: Reprodução
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Quando as férias chegavam a família ia para a praia, ele trocava a laranja por picolés — Foto: Reprodução
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Aos 16 anos, Ricardo, que pensava em seguir os passos de Américo Faria, o pai, foi fazer intercâmbio nos EUA para se preparar e cursar Medicina na volta — Foto: Reprodução
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Desistiu da carreira quado em terras americanas descobriu o potencial do agronegócio — Foto: Reprodução
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Começava ali uma ascensão meteórica na carreira de faria (à esquerda) e a corrida por um patrimônio hoje na casa dos R$ 17,45 bilhões — Foto: Reprodução
Ricardo Faria entrou para lista de bilionários da Forbes no Brasil no ano passado
Para autoridades e especialistas em saúde animal, o primeiro registro de influenza aviária de alta patogenicidade (IAAP) em uma granja não é um golpe fatal na credibilidade da produção brasileira.
O vírus circula no mundo desde 2006 e demorou quase 20 anos para alcançar uma granja brasileira, apesar de registros anteriores em aves silvestres. Com o surto recente nas Américas, que provocou falta de ovos no mercado americano, o Brasil já vinha se preparando para o vírus H5N1.
Apesar da apreensão atual, o sistema de defesa agropecuária tem sido até agora eficaz na contenção do foco e nas investigações de casos suspeitos para impedir descontrole. A depender do desfecho da crise, deve sair fortalecido, dizem especialistas.
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Se não houver novos registros em 28 dias contados a partir da confirmação do primeiro, o Brasil retomará o status de livre da gripe aviária, que é fatal para as aves mas não ameaça seres humanos. O risco de contágio é restrito aos que trabalham em contato direto com os animais, e o consumo de carne de frango e ovos não oferece perigo.
— Demorou a chegar aqui porque sempre mantivemos a vigilância. A capacidade do serviço não é medida só por não deixar entrar. Só é bom se consegue detectar — avalia Luiz Barrochelo, coordenador de Defesa Agropecuária do Estado de São Paulo. — O Brasil tem um dos melhores sistemas de defesa do mundo. Se não fosse tão estruturado, não detectaríamos a doença. Ia começar a morrer galinha em várias granjas, tudo de uma vez, e íamos nos perguntar o motivo.
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Sócio-diretor da MB Agro, José Carlos Hausknecht observa que nesta época do ano as aves migratórias que passaram o verão na América do Sul estão migrando para a América do Norte passando pelo litoral brasileiro. É justamente nessa viagem que se dão contaminações.
— Não temos muitas criações de aves no litoral, e sim no interior, mas é impossível eliminar a doença. O Brasil está preparado e agiu rapidamente. Mas o risco sempre vai existir — diz.
O trabalho de prevenção começa a quilômetros das granjas, nas praias e lagoas que são pontos de reprodução de aves migratórias, principalmente em Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul. Faz parte da rotina dos órgãos ambientais estaduais coletar amostras desses animais para ver se há H5N1.
O primeiro caso silvestre só foi registrado em 2023, no Espírito Santo. Enio Bergoli, secretário de Agricultura do estado, conta que tem parceria com outras instituições e ONGs em projetos de monitoramento das praias, dentro do licenciamento para exploração de petróleo no mar:
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— Fazemos um levantamento diário durante 365 dias por ano, de forma integrada e de maneira eficiente.
Em paralelo, órgãos estaduais de defesa agropecuária monitoram os criadouros de aves, mesmo de subsistência, que ficam próximos das rotas migratórias e no interior.
Há fiscalização ativa nas granjas comerciais, com coletas de amostras de sangue, cascas de ovos ou fezes. Em São Paulo, por exemplo, foram 3 mil ações desde o início de 2024.
As granjas têm de renovar o registro uma vez por ano, quando é verificado se estão cumprindo as normas de biossegurança. É obrigatório que os aviários sejam cercados e telados, para evitar o contato das galinhas de produção comercial com “aves livres”, que podem transmitir doenças. Após o abate, é feita uma limpeza rigorosa no viveiro antes da chegada de novas aves.
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Quando há alguma suspeita, as granjas são obrigadas a notificar órgãos de defesa agropecuária, que desencadeiam um protocolo que inclui isolamento e coleta de amostras. O gatilho é a morte de mais de 10% do plantel em 72 horas ou de 20% das aves alocadas em uma mesma propriedade.
Na granja afetada em Montenegro, a mortalidade começou a subir em 9 de maio. A notificação ao serviço oficial ocorreu dois dias depois. No dia 12, foram colhidas amostras, que confirmaram a gripe aviária no dia 15. O grau de letalidade da gripe é altíssimo: 90% das aves já tinham morrido, e o restante foi sacrificado como parte do combate.
Ana Paula Souza, veterinária e especialista em bem-estar de aves da ONG Alianima, avalia que o sistema brasileiro de prevenção e controle deu uma resposta ágil e eficiente, mas alerta que o fato de o foco ter ocorrido em uma granja com elevado nível de biossegurança reforça a preocupação com a vulnerabilidade de outras áreas da cadeia avícola e pequenos produtores.
Segundo ela, expansão global da cepa H5N1 da gripe aviária também evidencia um dilema estrutural do setor. Em busca de produtividade, a tendência das granjas é confinar muitas galinhas em espaços pequenos e fechados. O estresse crônico dos animais e a baixa qualidade do ar favorecem infecções, principalmente doenças respiratórias.
— Repensar os modelos de produção, incorporar práticas que priorizem bem-estar animal e abordagem integrada de biossegurança são estratégias fundamentais para prevenir novas crises sanitárias — diz.