O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem tentado manter de pé o decreto que elevou Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) argumentando junto ao Congresso Nacional que uma eventual derrubada da medida elevaria a um cenário de paralisação da máquina pública.
Chamado tecnicamente de shutdown, isso ocorre quando as despesas não obrigatórias caem a um nível que dificulta a manutenção do dia a dia do governo. As despesas não obrigatórias pagam investimentos, compras do governo e o custeio de coisas mais básicas, como insumos e contas de luz.
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O texto do decreto presidencial apresentado pelo Ministério da Fazenda na semana passada aumenta o imposto cobrado em transações como compra de moeda estrangeira, remessas ao exterior, operações de crédito e uso de cartão de crédito internacional. O objetivo foi elevar a arrecadação federal em cerca de R$ 20 bilhões.
No mesmo dia do anúncio, na última quinta-feira, o Ministério da Fazenda recuou da taxação sobre envio de recursos de fundos ao exterior, o que reduziu em R$ 1,4 bilhão o impacto da medida — mas isso já foi equacionado.
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Pelas contas da equipe econômica, sem a receita do IOF, o congelamento total de despesas públicas teria que subir de R$ 31,3 bilhões para R$ 51,8 bilhões para que o governo não se afaste da meta de déficit zero estabelecida no arcabouço fiscal.
— Houve uma demanda apresentada aqui pelos presidentes das Casas, de que tem um ambiente no Congresso de revogação do decreto. Diante disso o governo externou que a revogação do decreto tem uma uma consequência clara, shutdown, colapso e paralisação da máquina pública — disse o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP).
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Haddad não cede a pressão e insiste em IOF
Mais cedo, diante de críticas do Congresso Nacional e de agentes econômicos, o governo chegou a dar os primeiros sinais de que pode recuar em novos pontos do decreto que aumentou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), anunciado na semana passada.
Após uma reunião da equipe econômica com os presidentes dos maiores bancos do país, o secretário executivo da pasta, Dario Durigan, afirmou que a equipe econômica iria se “debruçar sobre alternativas” em “itens isolados” do ato do presidente Lula.
À noite, Haddad deu outro tom.
Na saída de uma reunião com a cúpula do Congresso, o ministro afirmou que explicou aos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), e da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que não há alternativa viável ao decreto e alertou para os impactos de uma eventual derrubada pelo Congresso. Parlamentares da oposição já protocolaram mais de 20 projetos para sustar o decreto do Executivo.
Haddad afirmou que não foi à reunião discutir a revogação do decreto pelo Executivo, mas alertar sobre a possibilidade de isso ser feito pelo Congresso:
— Expliquei as consequências disso em caso de não aceitação da medida, o que acarretaria em termos de contingenciamento adicional, nós ficaríamos em um patamar bastante delicado do ponto de vista do funcionamento da máquina pública e do Estado brasileiro.
Perguntado se haveria alternativas ao aumento do IOF, o ministro disse que não.
— Nesse momento, não. Nós recebemos da Febraban (federação de bancos) uma série de sugestões, estamos analisando e falei dos problemas constitucionais de você prever receita imediata — afirmou. — No momento essa não é a decisão tomada sobre o decreto.
De acordo com o ministro, tanto Motta quanto Alcolumbre manifestaram “preocupação muito grande” com a medida ser derrubada pelo Congresso, de vários partidos políticos.
Ao anunciar o decreto, há uma semana, o governo previa arrecadar cerca de R$ 20 bilhões neste ano. No entanto, as incertezas em torno da medida — ampliadas pela declaração do secretário — continuam a desestabilizar o mercado. O dólar comercial fechou em alta de 0,89% ontem, a R$ 5,695.
Na máxima do dia, a moeda alcançou R$ 5,717. Já o Ibovespa encerrou em queda de 0,47%, aos 138.888 pontos, e a taxa de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2026 subiu a 14,735%. Além da questão fiscal, o mercado monitorou a divulgação dos dados de emprego no Brasil.
Alcolumbre cobra reciprocidade
Alcolumbre afirmou antes do encontro com Haddad que o governo tentou “usurpar” as atribuições do Congresso ao publicar o decreto:
— Buscamos o diálogo com o governo desde o início deste mandato. O que esperamos é reciprocidade. Que este exemplo do IOF seja a última das ações do governo tentando, de certo modo, usurpar as atribuições do Legislativo. Como presidente do Congresso, eu vou defender todas as atribuições deste Poder previstas na Constituição.
‘Esgotamento’ em relação a aumento de impostos
Motta, por sua vez, disse que não basta apenas cancelar a medida do governo, mas que o Congresso precisa tocar uma pauta com foco na responsabilidade fiscal de forma estruturante:
— Temos um certo esgotamento com medidas de aumento de impostos. Não é só derrubarmos essa medida também, precisamos avançar no debate estrutural. A reforma administrativa, por exemplo, penso ser urgente.
Em meio a essas discussões, o governo enviou ontem à noite ao Congresso um projeto que permite vender toda a produção de óleo e gás que lhe cabe em alguns campos do pré-sal. De acordo com integrantes da Esplanada, seria possível arrecadar R$ 15 bilhões neste ano com a medida.
As falas de Durigan, por sua vez, foram feitas após encontro do ministro da Fazenda e seus secretários com os dirigentes dos maiores bancos privados do país, pela manhã.
— É natural que a gente avance nesse debate sobre o que poderia ser uma alternativa a itens isolados desse ajuste no IOF. Seguimos em diálogo para estudar, entender o que tem de alternativa e poder tomar uma decisão no momento seguinte — disse o secretário.
Durigan afirmou que o governo apresentou as premissas fiscais e regulatórias que embasaram o aumento do imposto e que a pasta está “sempre aberta” a discutir.
Custo do crédito preocupa bancos
A principal preocupação do setor financeiro é com a elevação do custo do crédito, em decorrência do aumento do IOF na contratação de operações pelas empresas. Quando o decreto foi anunciado, o aperto foi citado como forma de ajudar o Banco Central na tarefa de esfriar a economia e controlar a inflação.
O presidente da Febraban, Isaac Sidney, classificou o impacto do aumento do IOF sobre o crédito como severo, especialmente para micro, pequenas e médias empresas:
— Em operações de curto prazo, o custo efetivo total pode subir de 14,5% para até 40% ao ano. Em termos de taxa de juros, o impacto pode variar entre 3 e 8 pontos percentuais — afirmou.
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Sidney destacou que o setor bancário tem consciência da necessidade de equilíbrio fiscal, mas discorda do caminho adotado. Ele informou que a entidade propôs alternativas de receita e cortes de despesas, que ainda serão discutidas tecnicamente com a equipe econômica. Os detalhes das propostas não foram divulgados.
Para o ministro da Casa Civil, Rui Costa, a crise provocada pelo aumento é um assunto “encerrado e superado”. O tema virou um novo foco crise dentro do governo, com diferentes versões sobre como o assunto foi tratado no Palácio do Planalto:
— A medida foi publicada na quinta-feira e identificada uma necessidade de correção. Essa correção foi feita ainda na quinta-feira de madrugada e, portanto, acho que o assunto está encerrado, superado — disse Costa.
Colaborou Isa Morena Vista