A Confederação Nacional de Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais (Conafer), investigada pela Polícia Federal (PF) por supostas fraudes no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), foi condenada 28 vezes em apenas sete dias a devolver dinheiro tomado indevidamente de aposentados e pensionistas. As condenações aconteceram na semana seguinte à megaoperação da PF contra descontos bilionários em benefícios do INSS, deflagrada no último dia 23. Procurada, a entidade não respondeu.
Um levantamento da Coluna do Estadão junto a oito tribunais estaduais identificou 28 sentenças assinadas contra a Conafer, entre 24 de abril e 1º de maio, média de quatro por dia.
São Paulo foi o Estado com mais decisões judiciais, com 14, seguido de Alagoas (4); Amazonas (4); Rio Grande do Norte (2); e Pará, Ceará, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, com uma sentença cada. O motivo da disputa judicial foi o mesmo em todos os casos: aposentados reclamaram à Justiça de descontos não autorizados na folha de pagamento.

Agência do INSS em Copacabana, no Rio de Janeiro Foto: Andre Melo Andrade/Myphoto Press
Além da enxurrada de decisões desfavoráveis à entidade investigada, os processos reforçam suspeitas da PF no esquema do INSS que fez o ministro da Previdência e o presidente do instituto deixarem os cargos.
Das 28 ações judiciais em que a Conafer foi derrotada, 17 foram ignoradas pela confederação, que não apresentou qualquer defesa, o que é chamado de “revelia” no mundo jurídico. Em 16 processos, os aposentados e pensionistas obtiveram o benefício da Justiça gratuita, isto é, comprovaram que tinham baixa renda e não poderiam arcar com os custos processuais.
Em boa parte das condenações, a Conafer foi obrigada não só a restituir os recursos descontados indevidamente dos beneficiários do INSS, mas a devolver o dinheiro em dobro (14 processos) e a pagar danos morais (16).
Susto no aplicativo Meu INSS
No ano passado, Antonia se assustou ao abrir o aplicativo Meu INSS no celular e checar o extrato de sua aposentadoria. Viu vários descontos desconhecidos no contracheque. Resolveu, então, ir a uma agência do INSS, onde foi informada que desde março de 2020 havia um desconto mensal da Conafer na folha de pagamento. Os débitos mensais começaram em R$ 20,90, foram subindo paulatinamente e chegaram a R$ 39,53 em 2024. Resultado: R$ 3,1 mil de prejuízo.
A entidade deixou o processo correr à revelia também neste caso, que tramitou no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, em Ponta Porã (MS), cidade de 92 mil habitantes no sul do Estado.
“A autora é idosa, com modestos rendimentos, e teve transtorno de ter seu benefício reduzido”, escreveu no último dia 26 a juíza Tatiana Decarli. A magistrada mandou a Conafer devolver o valor tomado e pagar R$ 3 mil a título de danos morais.
“Contrib. Conafer”
Em seis processos, há uma semelhança nos descontos irregulares no pagamento dos beneficiários: o desconto é nomeado no extrato de “Contrib. (contribuição) Conafer”. Isso aconteceu com Antônia, em Ponta Porã (MS), mas também com Maria em General Salgado (SP), de 10 mil habitantes; Claudimiro em Itupiranga (PA), de 49 mil habitantes; Gercino em Buritama (SP), de 17 mil habitantes; Raquel em Araçatuba (SP), de 200 mil habitantes; e Carlos em Itacoatiara (AM), de 103 mil habitantes.
Na última semana, os seis obtiveram decisões favoráveis e, agora, aguardam o pagamento da Conafer. Claudimiro, em Itupiranga (PA), receberá o dobro do que lhe foi tirado, conforme decisão da última quarta-feira, 30, do juiz João Paulo Barbosa.
Vítima recebia salário mínimo
A pensionista Maria recorreu em 2021 ao Tribunal de Justiça do Ceará na comarca de Aracati (CE), cidade de 75 mil habitantes no norte do Estado. Disse ter sido “surpreendida” com descontos de R$ 22 pela Conafer em sua pensão em 2020 e 2021. Ela ressaltou que recebe um salário mínimo por mês e “nunca autorizou os descontos”.
Na última quarta-feira, 30, a juíza Danúbia Loss condenou a confederação a devolver em dobro o dinheiro descontado, além de pagar uma indenização de R$ 3 mil em danos morais à pensionista. A Conafer não se defendeu no processo.