Sem apoio do governo para defender sua pauta no Congresso, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, abandonou ontem sessão da Comissão de Infraestrutura do Senado após ser ofendida e virar alvo de ataques. Com o suporte de apenas dois colegas da base, a auxiliar de Luiz Inácio Lula da Silva começou a ficar em situação difícil ao ser criticada com veemência por um aliado do Palácio do Planalto, o senador Omar Aziz (PSD-AM), que a acusou de trabalhar contra o desenvolvimento do país. Após troca de farpas e bate-boca, a sessão terminou quando Marina não aceitou fala do senador Plínio Valério (PSDB-AM). Ele disse que não a respeitaria como ministra. O mesmo parlamentar, dois meses antes, já havia dito ter vontade enforcá-la.
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Embora o motivo da audiência fosse o debate da atuação de órgãos ambientais na possível exploração de petróleo na Margem Equatorial, a sessão desandou quando outro assunto era tratado: a pavimentação da BR-319, que liga Porto Velho a Manaus.
— Ao olhar para a senhora, eu estou vendo uma ministra, não estou vendo uma mulher. A mulher merece respeito. A ministra, não. Por isso eu quero separar — disse Valério.
Marina, então, se retirou.
— Eu fui convidada como ministra, então tem de respeitar. Eu me retiro porque eu não fui convidada por ser mulher.
‘Se ponha no seu lugar’
Ao deixar o colegiado, Marina citou o episódio em que o senador afirmou que tinha vontade de enforcá-la. Ela falou ainda dos embates sobre a nova Lei de Licenciamento Ambiental, aprovada pelo Senado na última semana.
— Ouvir um senador dizer que não me respeita como ministra, eu não poderia ter outra atitude. Ele é uma pessoa que disse ter sido muito difícil ficar 6 horas comigo sem me enforcar, e hoje veio de novo para me agredir.
Na mesma sessão, a ministra e o senador Marcos Rogério (PL-RO), presidente da comissão, também discutiram. Marina afirmou ter se sentido ofendida por falas de Omar Aziz, da base de Lula, e questionou a condução dos trabalhos. Rogério ironizou.
— Essa é a educação da ministra, ela aponta o dedo…
— Eu tenho educação. O senhor gostaria que eu fosse uma mulher submissa. Eu não sou.
Rogério, então, retrucou:
— Me respeite, ministra. Se ponha no teu lugar.
Aziz acusou a ministra de “atrapalhar o desenvolvimento do país” por questões ambientais. Marina, por sua vez, disse que defende o desenvolvimento com sustentabilidade e que explorações ambientais ilegais e suas consequências são “concretas”.
O senador afirmou ter “mais de 5 mil obras paradas” por entraves ambientais. A mais comentada foi a BR-319. Para defensores do projeto, asfaltar a rodovia — o que já foi prometido por Lula — pode facilitar a integração da região e questões econômicas. Para ambientalistas, pode facilitar desmatamento e ameaçar a biodiversidade da região.
A falta de uma defesa organizada da ministra não é um fato isolado, embora Lula tenha ligado para Marina após o episódio. O presidente prestou solidariedade e afirmou que ela estava certa em abandonar o local. Ao GLOBO, Marina negou que a ausência de uma mensagem pública tenha sido sentida por ela.
— Não teve: “olha, estou me solidarizando aqui com você, mas veja bem…” Ele já falou: “fiquei bem melhor depois da sua decisão de se retirar da comissão. Você fez certo, não devia ter ficado ali sofrendo aquele tipo de agressão”.
Iniciativas que vão na direção contrária ao que ambientalistas e ela almejam tem avançado no Legislativo. A mais recente delas foi um projeto que flexibiliza o licenciamento ambiental.
Parlamentares ainda preparam derrotas, como mudanças legislativas que facilitam a mineração em terras indígenas e o destravamento de empreendimentos, com potenciais riscos ao meio ambiente, no Amazonas e Amapá.
Em relação ao projeto que enfraquece o licenciamento, a ministra tenta construir uma estratégia de contenção de danos. Ontem, ela e deputados de esquerda se reuniram com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). De acordo com relatos, Motta sinalizou que não vai colocar o assunto em pauta de forma célere.
Por outro lado, parlamentares também disseram que não houve nenhum compromisso por parte do chefe da Casa em não pautar o assunto e nem em criar um grupo de trabalho, que é uma demanda de deputados ambientalistas que querem alterar o texto.
— (Motta) foi protocolar. Disse que não pretende correr e se mostrou disposto a achar uma solução ouvindo todos — disse a líder do PSOL na Câmara, Taliria Petroni.
Dentro do próprio governo não há consenso sobre as novas regras do licenciamento. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, por exemplo, negou que o Congresso esteja “passando a boiada” ao tratar de mudanças. Ele defendeu a medida:
— A imensa maioria dos que querem ver o Brasil avançando com eficiência é favorável (ao projeto).
Após a sessão, senadores da base manifestaram apoio a Marina. O líder do governo na Casa, Jaques Wagner (PT-BA), que esteve na sessão da Comissão de Infraestrutura e se retirou antes do fim, tratou o ocorrido como fato isolado.
— Na minha opinião a ministra estava muito bem, esclarecendo a todas as perguntas, respondendo a todas as questões, mas é óbvio que num momento ou outro, sobe a temperatura, mas não vi nada. A ministra também falou sobre alguma coisa que o senador Omar se sentiu ofendido. Mas eu acho que isso é do calor do debate.
Líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), disse que a ministra foi alvo de misoginia.
— Os senadores deviam dar o exemplo. Não é aceitável qualquer tipo de agressão ou machismo. Não existe um senador dizer a uma mulher “ponha-se em seu lugar”.
Ministros como Fernando Haddad (Fazenda), Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais), Márcia Lopes (Mulheres) e a primeira-dama Janja da Silva foram às redes defender a ministra.
— Ter disposição para o debate não significa que aceitarei ser tratada como capacho, com atitudes que não são condizentes com a democracia e nem com os direitos das mulheres que estão consignados na nossa Constituição — disse Marina. — Aí a poesia nos ajuda: Todos esses que aí estão atravancando meu caminho. Eles passarão, eu passarinho. Hoje eu me senti como um verdadeiro passarinho.