O interrogatório do tenente-coronel Mauro Cid, o primeiro da série de oito réus no processo sobre a trama golpista, terminou sendo bom para os ex-ministros Anderson Torres e Augusto Heleno, ruim para o ex-presidente Jair Bolsonaro e péssimo para o general Walter Braga Netto e para o almirante Almir Garnier. Não mudou muito a situação do general Paulo Sérgio Nogueira ou de Alexandre Ramagem. Ao longo de pouco mais de três horas de depoimento, Cid demonstrou insegurança sobre alguns pontos, amenizou algumas declarações na delação premiada e reafirmou outras, o que pode ser decisivo para o futuro de alguns dos réus.
No caso de Jair Bolsonaro, o acusado mais famoso e apontado como um dos líderes da trama golpista, poderia ser pior, mas nem por isso o depoimento de Cid deixou de ser ruim. De positivo, o fato de Mauro Cid ter rejeitado que tenha presenciado qualquer ordem de Bolsonaro para a publicação de uma nota das Forças Armadas que deu esperança aos golpistas que estavam diante dos quartéis. Além disso, durante todo o depoimento o delator enfatizou haver “pressão” sobre Bolsonaro para que ele tomasse uma atitude radical que, no fim das contas, por medo ou falta de apoio, o presidente decidiu não tomar.
Jair Bolsonaro acompanha o depoimento do tenente-coronel Mauro Cid no STF Foto: Gustavo Moreno/STF
Contudo, Mauro Cid confirmou o centro das acusações. Reafirmou que Bolsonaro não apenas teve conhecimento da minuta golpista como participou de sua composição, ao editá-la e enxugá-la, mantendo entre as determinações a prisão de Alexandre de Moraes. Além disso, confirmou a presença de Bolsonaro na reunião em que os considerandos da minuta foram apresentados na Biblioteca do Palácio do Planalto. Reforçou a existência das reuniões para apresentar o plano de barrar a posse do novo presidente, embora não tenha participado das demais, e destacou que Bolsonaro o tempo todo queria encontrar uma fraude nas urnas para ter argumentos pela ação das Forças Armadas. Disse também que, pelo mesmo motivo, o chefe não queria que as pessoas saíssem da frente do quartéis.
Em seu objetivo de usar as acusações contra as urnas para virar a mesa com o apoio dos militares, Bolsonaro, segundo Mauro Cid, fez pressão em cima do ministro Paulo Sérgio Nogueira para alterar a conclusão do relatório sobre o sistema eleitoral.
De alento para Bolsonaro também houve a curta participação de Luiz Fux, que fez perguntas que sugerem uma postura mais branda do que a de Moraes. Como quando pediu que o colaborador explicasse o termo “bravatas” em relação aos militares, o pedido para que ele enfatizasse que a minuta nunca foi assinada e o questionamento sobre a posição de Bolsonaro acerca da manifestação dos caminhoneiros, com Cid defendendo que o ex-presidente não queria que houvesse o ato para não prejudicar a economia.
Mas se foi ruim para Bolsonaro, foi bem pior para Walter Braga Netto. O general — ex-ministro e vice na chapa de Bolsonaro em 2022 — foi colocado como a ligação entre o presidente e os golpistas que estavam diante dos quartéis e os empresários que financiavam as ações. Segundo Cid reiterou várias vezes, foi Braga Netto quem entregou dinheiro, em uma caixa de vinho, para ajudar a manter a manifestação. Embora tenha dito que não sabe se Braga Netto discutiu o Punhal Verde e Amarelo com militares envolvidos no plano, confirmou que o general se encontrou com eles.
O depoimento também foi ruim para Almir Garnier, no sentido de que Cid confirmou ter ouvido do ex-comandante do Exército, general Freire Gomes, que o almirante e ex-comandante da Marinha havia dado aval ao golpe, dizendo que colocava suas tropas à disposição. A posição vai em linha do que disse o ex-comandante da FAB, Baptista Júnior, em seu depoimento no processo, e enfraquece a segunda versão, mais branda, apresentada pelo próprio Freire Gomes ao STF, depois de ter confirmado a postura de Garnier à Polícia Federal.
Alguns réus, porém, têm motivos para ficar um pouco mais otimistas após o depoimento do réu delator: os ministros Augusto Heleno e Anderson Torres. Sobre o primeiro, Cid disse que foi conselheiro ativo de Bolsonaro apenas nos dois primeiros anos de mandato, mas que depois eram raras as conversas entre eles. Sobre o segundo, que ele raramente ia ao Palácio da Alvorada neste momento e que não participou das reuniões-chave do golpe. No caso do general Paulo Sérgio, Cid incluiu o general na lista dos que queriam uma posição mais técnica das Forças Armadas, reforçando que não houve fraude nas urnas, e enfatizou as pressões do presidente em cima dele. Ainda assim, em razão da participação de Paulo Sérgio nas reuniões golpistas, a situação do ministro não muda tanto, como não muda a de Alexandre Ramagem, que nem sequer foi citado por Cid, por não haver perguntas relacionadas a ele.
Por fim, a própria situação de Cid está em jogo. Pego em aparentes contradições sobretudo pelos advogados de Bolsonaro e de Braga Netto, sobre datas e mensagens recebidas ou enviadas, pressionado por Fux e com um depoimento mais brando em alguns pontos do que na delação, há chance real de que alguns benefícios negociados não sejam concedidos.