O empresário Paulo Cupertino Matias foi condenado a 98 anos de prisão pelo assassinato do ator Rafael Miguel e dos pais, João Alcisio Miguel e Miriam Selma Miguel, ocorrido em junho de 2019, em São Paulo. Cupertino, que está preso desde 2022 após ter passado quase três anos foragido, também teve negado o pedido de responder a um eventual recurso em liberdade.
A condenação por triplo homicídio, duplamente qualificados por motivo torpe e recurso que impossibilitou a defesa das vítimas, foi proferida na noite desta sexta-feira pelo juiz Antonio Carlos Pontes de Souza após decisão do júri popular formado por sete pessoas. Os outros dois réus no processo, Eduardo José Machado e Wanderley Antunes Ribeiro Senhora, acusados de terem ajudado na fuga do empresário, foram absolvidos.
O julgamento no Fórum Criminal da Barra Funda, na Zona Oeste de São Paulo, estendeu-se por dois dias. Foram ouvidas sete testemunhas, além dos três réus, ao longo de quase 22 horas de sessões. Houve aplausos aqui de familiares das vítimas na hora do anúncio da sentença.
A sentença considerou que a pena de Cupertino deveria ser majorada porque a ação do acusado “gerou abalo psicológico não apenas à família da vítima, mas igualmente à família do próprio réu”, lembrando ainda que o crime foi cometido com “extrema violência” e na presença da filha do réu e namorada da vítima.
A filha de Cupertino, Isabela Tibcherani, que à época do crime tinha 18 anos, afirmou em seu depoimento que o pai era contrário ao seu namoro com Rafael Miguel — ator que havia interpretado a personagem “Paçoca” na novela “Chiquititas”. Cupertino, segundo Isabela, recepcionou Rafael e os pais com “agressividade” na data do crime, quando a família foi deixá-la em casa, na Zona Sul da capital paulista. Após ser puxada pelo braço para dentro do imóvel, ela disse que ouviu os disparos. Foram sete tiros em Rafael, três em seu pai e dois na mãe. Isabela negou que houvesse mais alguém na rua naquele momento.
Já Cupertino negou o crime e atribuiu os assassinatos a um “vagabundo” que apareceu no local quando ele estava diante de Rafael e seus pais. Não quis explicar quem seria o suposto “vagabundo” dizendo que na região periférica onde morava impera a “lei do silêncio”, o que poderia oferecer riscos aos seus familiares.
— Impossível eu ter cometido esse crime. Não tinha motivo. Eu seria capaz de coisas piores para defender um filho meu. (…) Eu fui covarde, mas não fui covarde por ter matado. Eu fui covarde porque eu podia ter evitado. Quando eu vi a cena, o vagabundo, eu tinha força suficiente. (…) Se eu tivesse metido a mão no peito do vagabundo e falado ‘aqui não, aqui é a milha família’, eu tinha força. Só que não. Eu fui omisso. Simplesmente desviei o olho, saí andando — disse.
‘Ele que matou, e mais ninguém’
O promotor Thiago Alcocer Marin, do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), acusou Cupertino de “mentir de cara lavada” e ter transformado o júri num “picadeiro”. Marin disse que “nunca pegou um processo com tanta prova de autoria”, destacando que nada foi roubado das vítimas e que a perícia encontrou no local do crime cartuchos deflagrados do mesmo calibre da arma registrada no nome de Cupertino:
— Se não foi ele, quem foi? Não tem outra pessoa. Ninguém tinha motivo para levantar um dedo para aquela família, a não ser ele. A rainha das provas é a lógica humana. Tem lógica não ser o responsável por um crime e ficar três anos foragido? Foi ele que matou, e mais ninguém. Se tem rabo de gato, pelo de gato, orelha de gato e mia, é um gato. (…) Hoje é dia de colocar uma pedra final em cima dessa história violenta, dessa história bárbara, dessa história odiosa. Hoje é dia de condenar o Paulo Cupertino — afirmou.
Pela defesa de Cupertino, a advogada Juliane Santos de Oliveira argumentou que faltaram provas contra o acusado, que se busca uma “caça às bruxas”, e disse que a denúncia se baseou em sua personalidade. A também advogada do réu Mirian Nunes Souza reclamou de violações ao longo do processo e de cerceamento ao direito de defesa.
— Nunca vi na minha vida uma testemunha ocular que não viu o crime. Existe imagem? Foi apresentado algum vídeo que mostre o acusado com arma em punho atirando nas vítimas? Se não tem prova, o mínimo era ter feito perícia nos projéteis encontrados.
Em sua sentença, o magistrado reforçou que os pedidos feitos de modo “tempestivo”, ou seja, em um prazo razoável, foram “apreciados no momento oportuno” e analisados “de forma adequada”.
Mirian assegurou que seu cliente “não cometeu aqueles crimes” e garantiu que Cupertino “tentou se entregar”, mas não o fez porque percebeu que os advogados que iriam defendê-lo “queriam aparecer” e reclamou também da “autopromoção” de agentes públicos que queriam “ostentar o acusado como um troféu”.
— O meu cliente é um ser humano digno de receber um julgamento justo. E, pra mim, um julgamento justo é a absolvição. Se vier algo diferente de uma absolvição, não é justo. O Ministério Público não logrou comprovar a autoria delitiva do meu cliente. Não há provas concretas além do ‘ouvi dizer’. (…) A defesa suplica por justiça. E hoje, para que a justiça se cumpra, o acusado deve ser absolvido — argumentou.
Cupertino estava presente no plenário na maior parte da sessão desta sexta-feira. Chegou a chorar quando uma de suas advogadas leu a carta de uma sobrinha do réu que se referiu a ele como alguém com “bons princípios”, “sonhador” e que “nunca foi um monstro”. Durante as sustentações da acusação, Cupertino fez expressões faciais que variavam do desdém à desaprovação, com pernas em muitos momentos inquietas.
As absolvições de Eduardo e Wanderley, acusados de terem ajudado Cupertino a fugir, tiveram a anuência do Ministério Público por conta da contribuição dos dois em seus interrogatórios. Wanderley disse que deu carona ao amigo porque ficou com medo após Cupertino ter dito a ele que “deu três tiros”. Eduardo declarou que o amigo disse a ele apenas que “fez uma merda”, e que imaginou que o empresário pretendia se entregar à polícia.
Cupertino está preso no Centro de Detenção Provisória de Guarulhos II, na região metropolitana de São Paulo. Ele foi capturado em maio de 2022, em um hotel simples da Zona Sul da capital, a poucos quilômetros de onde Rafael Miguel e os pais foram assassinados.
A filha do homem agora condenado por triplo homicídio disse na quinta-feira que torceu pela prisão do pai. Isabela declarou que hoje toma remédios psiquiátricos e que se preocupa com a saúde mental do irmão, que também estava em casa quando Rafael Miguel e os pais foram executados. Ele tinha 13 anos de idade na ocasião.
— As pessoas não se colocam no meu lugar, não sabem a dor que é ter que revisitar sempre o momento mais traumático da minha vida. O tanto de remédio que eu tomo hoje em dia, para ansiedade, para transtorno pós-traumático, por conta de uma ação de uma pessoa que deveria me proteger e cuidar de mim — declarou Isabela.