É absurda a condenação do comediante Léo Lins a oito anos e três meses de prisão por piadas num show de humor. A sentença, da 3ª Vara Criminal Federal de São Paulo, determina multa de R$ 1,8 milhão e indenização de R$ 303,6 mil por danos morais coletivos. Afirma que a apresentação de Lins estimula a violência verbal e fomenta a intolerância. Não se trata disso. É absolutamente justificável repudiar as piadas dele, de péssimo gosto. Mas elas não põem ninguém em risco. São piadas — não crimes.
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No vídeo “Perturbador”, Lins tenta fazer humor mirando em negros, obesos, idosos, soropositivos, homossexuais, indígenas, nordestinos, evangélicos, judeus e deficientes. Não há dúvida de que seu humor fere as regras de civilidade, é anacrônico, descolado da sociedade. Mas condenar Lins por uma forma de humor canhestra — e repugnante — equivale a censura. É incompatível com a liberdade de expressão garantida pela Constituição.
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Não é a primeira vez que o trabalho de humoristas é cerceado pela Justiça. Em 2021, o apresentador Danilo Gentili foi condenado a pagar indenização de R$ 41,8 mil ao Sindicato dos Enfermeiros, além de pedir desculpas, depois de fazer piada sobre a categoria. O youtuber Julio Cocielo foi investigado por postagens consideradas racistas entre 2010 e 2018, mas acabou absolvido. Em 2021, tentou-se censurar a 48ª edição do Salão Internacional de Humor de Piracicaba porque charges criticavam a política de saúde do governo Jair Bolsonaro durante a pandemia.
Amordaçar o humor é prática de regimes autoritários. Não combina com a democracia. Durante a ditadura militar, parte da equipe do jornal O Pasquim, que driblava a censura com irreverência, criatividade e talento, foi presa pelos órgãos de repressão. Felizmente, os tempos são outros. Há quatro décadas o Brasil vive o mais longevo período democrático de sua História.
Apesar disso, nos últimos tempos têm se tornado comuns episódios de censura e cancelamentos. Livros de histórias infantis lidos por gerações passaram a ser demonizados, sob alegação de conter trechos racistas. Obras consagradas da literatura nacional foram recolhidas de escolas sob pretexto de ser inadequadas a menores. O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, chegou a mandar destruir um livro de Direito com trechos considerados por ele homofóbicos e discriminatórios.
A condenação de Lins é grave por criminalizar a piada. É verdade que suas anedotas são preconceituosas e abjetas. Mas a liberdade de expressão só está plenamente protegida quando se garante o direito ao discurso mais abjeto, desde que não ofereça risco. Sentenças como a proferida contra Lins incentivam artistas à autocensura, por receio de acabar na prisão ou pagar multas. Nada pode ser pior para a criatividade. Por fim, ninguém é obrigado a consumir o humor de mau gosto produzido por Lins. Vê e ouve quem quer. As instâncias superiores da Justiça têm o dever de reformar a sentença para preservar um regime em que os brasileiros possam se expressar livremente.