JUIZ COM LADO
A atuação do juiz Marcelo Bretas na “lava jato” do Rio de Janeiro foi abusiva e parcial. Dessa forma, Conselho Nacional de Justiça, por unanimidade, impôs nesta terça-feira (3/6) a pena de aposentadoria compulsória ao magistrado.
Juiz Marcelo Bretas
Antigo titular da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, Bretas foi julgado pelos abusos que praticou na filial fluminense da “lava jato”.
Em pauta nesta terça-feira (3/6), estavam três processos administrativos disciplinares sobre o juiz, que está afastado do cargo desde 2023. O relator do processo no CNJ, conselheiro José Rotondano, declarou duas ações procedentes.
Para Rotondano, é válido punir Bretas pela negociação de penas, no caso da delação do advogado Nythalmar Dias Ferreira Filho, e pela condução de um acordo de colaboração premiada baseado apenas em informações repassadas por terceiro para prejudicar o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), e favorecer a candidatura de Wilson Witzel (PMB) ao governo estadual em 2018.
O relator negou a ação sobre busca e apreensão em endereços de advogados. Houve unanimidade pela condenação com a aposentadoria forçada, mas tiveram algumas divergências parciais na terceira ação, a respeito de busca e apreensão. Isso porque alguns conselheiros entenderam que os mandados do Ministério Público poderiam ter sido alvos de interferências de Bretas.
Voto do relator
Segundo Rotondano, as atitudes de Bretas foram graves, e ele agiu contra a Constituição Federal e o Código de Ética dos Magistrados. “O caso não comporta uma mera advertência”, falou. A pena, então, teria que ser a “mais gravosa”: a aposentadoria compulsória.
“É um conjunto de práticas inquisitivas e abuso de autoritarismo estatal, que subverte a lógica do processo penal e que objetivava dar pouca ou nenhuma margem ao direito de defesa”.
Para o relator, Bretas agiu por “vaidade, autopromoção e anseio por protagonismo no sistema de Justiça”. “Tem-se seguramente comprovados o modo de agir sem imparcialidade, serenidade e exatidão”, pontuou.
Voto de Barroso
Presidente do CNJ, Luís Roberto Barroso também votou pela condenação de Bretas à aposentadoria compulsória. O ministro disse que “enfrentar a corrupção no Brasil envolve muitas vezes enfrentar o pacto oligárquico, que trabalha intensamente para protegê-la e se beneficia dela”.
“Sempre vejo com muita cautela processos e procedimentos que visam a punição de juízes que tiveram a ousadia de enfrentar esse problema, que foi empurrado para o radar da sociedade brasileira, mas continua um problema grave”, afirmou.
Porém, Barroso apontou que Bretas cometeu os “erros” e ressaltou a “prática de atos deliberadamente para interferir nas eleições”, além de ter tido atuação “parcial” na “lava jato”.
O que diz a defesa?
Ana Luísa Vogado de Oliveira atuou como advogada de defesa de Bretas. Na sustentação oral, falou contra a aposentadoria do magistrado.
“Ainda que gere condenação, nem de longe poderia gerar aposentadoria compulsória. Não existe nenhuma prova de beneficiamento, conluio ou dolo”, afirmou.
“A única saída possível é a absolvição do magistrado”, completou.
Três reclamações
O CNJ decidiu em fevereiro de 2023 pelo afastamento de Bretas. Na ocasião, também ficou determinada a abertura de um procedimento para apurar a conduta do juiz nos processos da “lava jato” fluminense.
O colegiado analisou três reclamações disciplinares. Todas estão em sigilo. Por isso, a sessão não foi transmitida. O relator das reclamações era o corregedor nacional de Justiça da época, ministro Luis Felipe Salomão.
Um dos pedidos foi feito pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, com base em reportagem da revista Veja segundo a qual Bretas negociou penas, orientou advogados e combinou estratégias com o Ministério Público. A publicação se baseou em delação do advogado Nythalmar Dias Ferreira Filho.
Segundo a OAB, Bretas violou deveres de imparcialidade e tratamento urbano com as partes, entre outros previstos no artigo 35 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, culminando, inclusive, em desrespeito às prerrogativas dos advogados.
O segundo processo foi ajuizado pelo prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, que apontou a condução de um acordo de colaboração premiada baseado apenas em informações repassadas por terceiro, cujo intuito, segundo ele, era favorecer a candidatura de Wilson Witzel ao governo estadual em 2018.
O caso é o da delação premiada de Alexandre Pinto, ex-secretário municipal de Obras do Rio, que envolveu Paes em um esquema de propinas no plano de infraestrutura da Olimpíada de 2016. Ele chegou a admitir que não estava presente no momento em que Paes teria acertado um pagamento à construtora Odebrecht.
A defesa do atual prefeito do Rio pediu acesso ao material da delação, mas Bretas alegou sigilo do caso e negou. Mesmo assim, alguns trechos do depoimento vazaram. Na época em que a delação veio à tona, Paes liderava as pesquisas de intenção de voto para o governo do Rio. Porém, ao fim, Witzel foi eleito.
A terceira reclamação disciplinar foi ajuizada pela própria Corregedoria Nacional de Justiça, a partir de correição extraordinária determinada pelo corregedor e coordenada pelo desembargador Carlos von Adamek.
Delação premiada
Em acordo de colaboração premiada firmado com a Procuradoria-Geral da República, Nythalmar Dias Ferreira Filho teria apresentado uma gravação na qual Bretas diz que vai “aliviar” acusações contra o empresário Fernando Cavendish, delator que também chegou a ser preso pela “lava jato”.
A Veja transcreveu a gravação, na qual Bretas afirma: “Você pode falar que conversei com ele, com o Leo, que fizemos uma videoconferência lá, e o procurador me garantiu que aqui mantém o interesse, aqui não vai embarreirar”. “E aí deixa comigo também que eu vou aliviar. Não vou botar 43 anos no cara. Cara tá assustado com os 43 anos”, diz ele, em outro trecho do diálogo.
Leo seria o procurador Leonardo Cardoso de Freitas, então coordenador da “lava jato” no Rio de Janeiro. Os “43 anos” se referem à decisão que condenou o almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, ex-presidente da Eletronuclear, o que gerou temor generalizado nos réus.
Além disso, Nythalmar afirma que Bretas atuou para que Wilson Witzel (PSC) fosse eleito governador do Rio em 2018. De acordo com o advogado, no segundo turno, Eduardo Paes, em busca de uma trégua, comprometeu-se a nomear uma irmã do juiz para uma secretaria se fosse eleito.
Depois de Witzel ganhar as eleições, ele, Paes e Bretas firmaram um acordo informal, narra Nythalmar. O ex-prefeito assegurou que abandonaria a política “em troca de não ser perseguido” (o que não aconteceu, pois foi novamente eleito prefeito do Rio em 2020).
Já Witzel nomeou Marcilene Cristina Bretas, irmã do juiz, para um cargo na Controladoria-Geral do Estado do Rio. À Veja, Bretas negou as acusações.
O julgador disse à Corregedoria Nacional de Justiça que não tratou da situação de Cavendish em reunião com Nythalmar e Leonardo Cardoso. Porém, no mesmo ofício Bretas mencionou áudio da conversa em que prometeu “aliviar” acusações contra o empresário.
Outras reclamações
Marcelo Bretas é alvo de outras reclamações no CNJ. A seccional fluminense da OAB questiona a atuação do magistrado como coach, prática vedada por resoluções do CNJ e pelo Código de Ética da Magistratura.
Segundo a reclamação, o juiz está se valendo da exposição que recebeu durante a “lava jato” para fazer “autopromoção desmedida e superexposição”. Bretas usa as redes sociais para vender mentorias. Para tanto, se apresenta como “juiz federal”, “palestrante” e “professor”.
O deputado federal Marcelo Calero (PSD-RJ) apresentou no começo de fevereiro outra reclamação disciplinar no CNJ contra Marcelo Bretas. O parlamentar pede que seja apurada uma violação dos deveres funcionais do magistrado, com base em uma publicação no X em novembro do último ano, na qual Bretas apresentou sua interpretação do conceito de crime tentado — divergente do entendimento do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, que, dias antes, havia determinado a investigação de suspeitos de tentativa de golpe de Estado.
A Associação Nacional da Advocacia Criminal (Anacrim) também foi ao CNJ contra Marcelo Bretas, acusando-o de atacar o STF, de minar a confiança da população no sistema de Justiça, de insuflar seus seguidores contra o Estado de democrático de Direito e de exercer atividade político-partidária, o que é vedado a magistrados pela Constituição.
Processo Administrativo Disciplinar 0001820-78.2023.2.00.0000
Processo Administrativo Disciplinar 0001817-26.2023.2.00.0000
Processo Administrativo Disciplinar 0001819-93.2023.2.00.0000