O avanço dos evangélicos no país foi maior entre pretos e pardos do que no grupo de brancos, aponta o Censo Demográfico 2022. Neste recorte, o movimento se aproximou das projeções de especialistas para o crescimento da religião na população em geral, que chegavam a um patamar de 30% dos brasileiros engrossando as fileiras do segmento.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou na sexta-feira passada as informações sobre religião do último Censo. Os dados mostram que o percentual de evangélicos no Brasil alcançou o maior patamar histórico (26,9%), mas com uma expansão em ritmo menor do que nos levantamentos anteriores.
Embora o país siga com maioria de católicos, a quantidade de seguidores do Papa registrou queda de 8,4 pontos percentuais em 12 anos, atingindo o menor nível já registrado desde 1872, de 56,7%. Neste período, cresceram os adeptos da umbanda e do candomblé, de outros grupos religiosos (judaísmo, islamismo, budismo etc) e as pessoas sem religião.
Entre pretos, os católicos passaram de 58% para 49% de 2010 a 2022, em uma inflexão maior do que a do país como um todo, que colocou a religião abaixo da metade da preferência nesta etnia. Já os evangélicos que se declaram pretos saltaram de 24% para 30%, em um crescimento também acima dos dados gerais. As variações na população parda são similares: de 65% para 55% e de 23% para 29%, respectivamente.
— As igrejas evangélicas clássicas, como a Batista e a Luterana, sempre foram mais elitizadas, formadas por pessoas brancas e com situação financeira mais estruturada. Já as pentecostais e neopentecostais, casos da Igreja Universal e da Assembleia de Deus, vão se estabelecer nas periferias e, nesses espaços, quem vive são majoritariamente pessoas negras — explica Elisabete Pereira da Silva Nascimento, mestranda da Universidade Federal da Bahia (UFBA) que pesquisa religião e raça.
Nascimento pontua que o perfil das igrejas evangélicas passa a mudar no Brasil a partir da década de 1970, justamente quando as denominações tradicionais começam a perder terreno para as pentecostais e neopentecostais. A expansão desses novos grupos protestantes, destaca ela, se dá em meio ao acolhimento de camadas mais populares.
— Além disso, essa pessoa recebe um apoio na igreja que não encontra no braço do estado. Consegue uma ajuda para comprar um gás, um remédio que precisa — diz a pesquisadora, que integra o Movimento Social de Mulheres Evangélicas do Brasil (Mosmeb).
A especialista frisa ainda que, além do suporte social, essa população encontra nas igrejas evangélicas em áreas de periferia outras pessoas negras em posição de destaque, como um líder de oração ou um diácono, que ali são respeitados como autoridades religiosas pela comunidade local:
— A mãe fica feliz com o filho no grupo jovem, cantando um louvor.
Militante do Movimento Negro Evangélico, Gabriella Vicente reforça a análise da pesquisadora. Com a vivência dentro das igrejas, ela lembra que esses locais acabam oferecendo esperança para um público formado majoritariamente por pessoas com privações financeiras graves e que vivem uma rotina de trabalho desgastante:
— A fé evangélica sublima as mazelas dos tempos terrenos alimentando a esperança de um porvir onde não haverá mais lágrima, nem dor — discorre.
Entre os brancos, a redução nos adeptos do catolicismo foi maior do que o crescimento dos evangélicos no mesmo grupo, o que pode indicar uma pulverização deste movimento. Os adeptos da religião eram 67% em 2010, passando para 60% em 2022. As denominações protestantes subiram de 20% para 23% no período, enquanto os brancos sem religião, por exemplo, saltaram de 6,5% para 8,5%.
Doutorando em Antropologia Social na Universidade de São Paulo (USP), Cleiton Rocha levanta a hipótese de que as condições econômicas podem ter colaborado para uma maior resistência dos brancos às igrejas evangélicas:
— Os brancos têm um poder aquisitivo maior. Eles acabam se dissociando dessa religiosidade pentecostal, que está ligada aos pardos e negros de periferia. Inclusive, esse grupo está nas áreas centrais das cidades, enquanto as igrejas estão mais nos bairros mais distantes, e acabam acessando outras religiosidades, como o espiritismo e até as de matrizes afro — diz o autor da dissertação “Racializando o pentecostalismo: experiências e vivências raciais/religiosas em duas igrejas nos extremos do Brasil”.
Os dados do IBGE mostram ainda que a proporção de católicos vai aumentando conforme avança a idade dos brasileiros. Assim, 72% dos idosos com 80 anos ou mais são seguidores do Vaticano, contra apenas 19% de evangélicos. A distância de 53 pontos percentuais despenca para somente 20 no recorte mais jovem, de 10 a 14 anos, onde há 51% de católicos e 31% de protestantes.
— Eu tenho 24 anos e sou evangélico desde que nasci. Frequento a igreja toda semana. Vou aos cultos de sexta e domingo, e também participo de grupos jovens e células — conta Pedro Gomes, estudante de Economia e filho de um pastor batista.
Na faixa de idade do rapaz, de 20 a 24 anos, 27,5% dos brasileiros se dizem protestantes, um dos maiores percentuais nos recortes etários. Para Pedro, esse público é engajado a partir de diferentes eventos voltados para adolescentes e jovens adultos:
— Dentro da igreja evangélica, temos muitas programações para os mais novos. Desde células para jovens, congressos, retiros, passeios, cultos… Tem muito a visão de trazer essas pessoas porque elas são o presente e o futuro da igreja, para dar continuidade mais à frente.
O Censo revela também que todas as faixas etária até 49 anos possuem percentual de evangélicos maior do que a média nacional, em um fenômeno oposto ao registrado nos recortes que vêm a seguir. O resultado é que, mesmo que não haja nenhuma migração religiosa, a proporção de brasileiros protestantes tende a seguir aumentando naturalmente.
O IBGE trouxe ainda revelações sobre a escolaridade em cada religião. Entre os brasileiros com mais de 25 anos, 51,4% dos católicos não completaram o ensino médio — índice próximo ao dos evangélicos, de 50,5%, e pouco acima da população geral, em que 46% dos adultos a partir dessa faixa etária não completaram a educação básica.
Já os espíritas e as religiões afrobrasileiras, como umbanda e candomblé, apresentam perfil bem diferente. No primeiro grupo, quase metade (48%) possui superior completo. No segundo, a maior fatia terminou pelo menos o ensino médio (40%), e outra porção relevante (25,5%) tem diploma de graduação.
No país, de acordo com os dados de educação do Censo 2022 divulgados em fevereiro, apenas 16% concluíram um curso universitário. (*estagiária sob supervisão de Luã Marinatto)