O anúncio do secretário de Estado de Donald Trump, Marco Rubio, de que seu governo restringirá vistos de entrada no país para autoridades estrangeiras que censurem americanos, colocou mais um tijolo no caminho da crise que se desenha entre Brasil e Estados Unidos. Ainda não é uma medida extraterritorial, como se diz na diplomacia para definir a natureza das sanções econômicas que vêm sendo estudadas por lá contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.
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Por enquanto, Trump legisla sobre seu próprio território. Mas o próprio Rubio já avisou na semana passada, no Congresso americano, que havia grande possibilidade de Moraes ser atingido pela “pena de morte financeira”, como é chamada a lei que exige das instituições e empresas com interesses nos Estados Unidos o corte de todo e qualquer relacionamento comercial com seus alvos.
Vindos de um dos mais importantes auxiliares do presidente americano, os dois movimentos operaram uma guinada na forma como o governo brasileiro, o mundo político e o próprio Supremo viam as ameaças do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Desde o final de março, quando se licenciou do mandato para ficar nos Estados Unidos dizendo-se alvo de perseguição no Brasil, o filho Zero Três de Jair está em campanha para o governo Trump retaliar o STF. Até então, suas falas eram encaradas como bravata. Agora, não mais.
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Seria muita ingenuidade imaginar que todo esse barulho se dá exclusivamente por solidariedade a Eduardo Bolsonaro, que, como os diplomatas brasileiros fazem questão de salientar, “não tem acesso ao Salão Oval” e não faz parte do círculo íntimo de Trump. Muito mais peso têm Elon Musk, esse, sim, da cozinha da Casa Branca e inimigo público de Moraes, e os outros donos de empresas de tecnologia que já sofreram algum tipo de punição do Supremo.
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Alexandre de Moraes, relator do caso, foi o primeiro a votar: “A denúncia descreve de forma detalhada, com todos os elementos, todos os requisitos exigidos, tendo sido coerente a exposição dos fatos, com a descrição amplamente satisfatória dos fatos, da tentativa de golpe de estado, tentativa de abolição violenta do estado de direito” — Foto: Antonio Augusto/STF
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Flávio Dino ponderou que uma tentativa de golpe que não deixou mortes também não pode ser minimizada: “Golpe de Estado é coisa séria. É falsa a ideia de que um golpe de Estado, ou uma tentativa de golpe de Estado, porque não resultou em mortes naquele dia, é uma infração penal de menor potencial ofensivo.” — Foto: Antonio Augusto/STF/20-03-2024
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Luiz Fux terceiro a votar a favor: “Esses episódios contra a nossa democracia vão ser marcante dia após dia, todos os dias serão dias da lembrança de tudo que ocorreu. Não se pode de forma alguma dizer que não aconteceu nada. É impossível se afirmar isso” — Foto: Antonio Augusto / STF
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Cármen Lúcia afirmou ser preciso barrar a “máquina de desmontar a democracia” da história do país: “Ditadura mata, vive da morte, não apenas da sociedade, mas da democracia, de seres humanos de pele e osso que são torturados e mutilados” — Foto: Antonio Augusto / STF
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Cristiano Zanin deu o último voto que tornou Bolsonaro réu por unanimidade: “Há sim uma série de elementos a amparar a denúncia que estamos a analisar. Longe de ser uma denúncia amparada exclusivamente em uma delação premiada, o que se tem aqui são diversos documentos, vídeos, materiais que dão amparo aquilo que foi apresentado pela acusação” — Foto: Antonio Augusto / STF
A Primeira Turma do STF decidiu por unanimidade receber a denúncia contra Bolsonaro e sete aliados por tentativa de golpe
Não fossem os interesses das big techs, muito provavelmente não se teria chegado a este ponto. O momento também é crítico não apenas porque o STF avança no processo da trama golpista. Na semana que vem, o tribunal deverá retomar a discussão sobre a regulação das redes sociais e decidir sobre um tema crucial: até que ponto as empresas devem ser punidas pela circulação de conteúdo criminoso na rede.
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O Marco Civil da Internet hoje prevê que elas só serão responsabilizadas por posts de terceiros se descumprirem alguma ordem da Justiça para remoção de conteúdo. Mas a tendência no Supremo é ampliar as possibilidades de punição, prevendo que as empresas já terão de retirar posts criminosos a partir do momento em que forem notificadas a respeito, sem necessidade de medida judicial. Para as big techs, uma decisão nessa linha, num dos países em que mais se usa a internet no planeta, será um precedente perigoso —daí a reação.
Isso não implica dizer que Eduardo Bolsonaro não tenha papel nesse enredo. Ao trabalhar desde muito cedo para se aproximar de Musk e dos republicanos mais radicais, ele identificou a oportunidade de se tornar uma espécie de “mártir da liberdade de expressão” e cavou, como se diz no futebol, a abertura de um inquérito contra si pelo próprio Moraes.
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Ainda que não seja tão conhecido ou enfronhado na política americana como seus posts e vídeos sugerem, soube surfar na pauta da luta pela liberdade de expressão contra abusos do Judiciário e da luta contra a esquerda, que mobilizam não só a direita americana, mas também boa parte da opinião pública brasileira. Prova disso é o fato de ele por vezes ser considerado para substituir o pai, inelegível, numa candidatura à Presidência em 2026.
Ainda que não seja só pelos Bolsonaros, a ofensiva trumpista faz um grande favor ao clã. Preocupados, os ministros do Supremo vêm cobrando do governo Lula que reaja. Mas uma reação muito enfática ou prematura poderá reforçar o argumento bolsonarista de que o STF e o lulismo são uma coisa só, que atuaram juntos para impedir a reeleição do ex-presidente.
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Por isso os enviados do Itamaraty têm agido apenas nos bastidores, alegando que eventuais sanções serão muito ruins para a relação bilateral. Não é um argumento que costuma sensibilizar os trumpistas, até porque o governo Lula não tem tanto poder de pressão. Dos bolsonaristas enfronhados na campanha anti-Xandão nos Estados Unidos, ouve-se que as primeiras medidas estão prontas para ser tomadas.
Se o plano deles der certo, o governo americano seguirá adotando sanções cada vez mais duras, que poderão atingir outros ministros do STF e seus parentes advogados, até conseguir algum tipo de recuo do Supremo. Mesmo que isso não aconteça, porém, a confusão está armada — com potencial para render bons dividendos eleitorais em 2026.
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