No Brasil, nem a raiva é séria.
No passado recente, o ex-presidente Jair Bolsonaro lançou ataques públicos contra o ministro Alexandre de Moraes, insuflando seus seguidores. Moraes reagiu com decisões duras, mantendo a tensão no centro do poder em Brasília. É um embate contínuo, com acusações e dedos em riste.
Durante a semana, no Supremo Tribunal Federal, os dois se reencontraram. Frente a frente. Foi em meio a um depoimento sobre a trama golpista. Lá pelas tantas, Bolsonaro, que chamou Moraes de “canalha” nem faz tanto tempo assim, pediu licença para “fazer uma brincadeira”. Moraes, irônico, sugeriu que o depoente consultasse antes seus advogados. Bolsonaro foi em frente, sem perguntar para ninguém. Convidou Moraes para ser seu vice em 2026. Risos dos presentes. O ministro, entrando na galhofa, respondeu que declinava. Mais risos.
O episódio escancara um traço típico do nosso jeito de ser: nem a raiva é levada a sério. Como dizia Ulysses Guimarães, na política, ou ela é fingida ou é combinada.
O que ocorreu entre Bolsonaro e Moraes não foi um acordo de paz. Mas, sem dúvida, houve ali um momento de conexão, de aproximação, quase de cumplicidade para o sucesso da piada. De fato, o conflito segue, com desdobramentos jurídicos e políticos. Mas a cena revela uma desconcertante maleabilidade da hostilidade pública, que vira piada no momento seguinte — mesmo nas instituições mais solenes da República.
Existe aí também uma lição sobre o nosso tempo. A comunicação feita à distância, por posts, vídeos e despachos, favorece à bravata. Mas, no encontro presencial, algo muda. Porque a presença concreta ainda impõe um outro tipo de vínculo, alguma espécie de empatia, mesmo que tênue.
Rir, descontrair e relaxar são verbos pouco conjugados na política nacional. A piada foi boa. A resposta também. Estava quase tudo certo. Menos o local onde aconteceu. Conversa de STF não pode ser conversa de botequim. E, nesse ponto, cabe bem mais a Moraes compreender isso do que a Bolsonaro. Por motivos óbvios.