A formação da Federação União Progressista, união entre União Brasil e Progressistas, é um movimento relevante na política brasileira. Com cerca de 20% dos representantes no Congresso Nacional, a nova sigla não apenas concentra a maior bancada da Câmara dos Deputados como também passa a dispor do maior fundo partidário do país. A iniciativa é politicamente significativa e, do ponto de vista institucional, positiva: a fusão entre partidos contribui para a redução da fragmentação no Legislativo, problema crônico que há décadas dificulta a governabilidade e compromete a coerência programática dos partidos brasileiros.
Mas, se o gesto político aponta para a maturidade, o conteúdo do manifesto da União Progressista revela desconexão com a realidade atual do país. O documento parte de um diagnóstico catastrofista da economia brasileira, alegando que vivemos um ciclo de “demostagnação” e defendendo um “Choque de Prosperidade” com base na redução do papel do Estado. Segundo a nova federação, o poder público seria um “obstáculo à prosperidade”, e a saída para os problemas nacionais passaria por reformas liberalizantes e pelo enxugamento da máquina pública.
Essa receita, no entanto, ignora completamente os fatos mais recentes da economia brasileira. Segundo o IBGE, o rendimento médio das famílias brasileiras bateu recorde em 2023, superando pela primeira vez a marca de R$ 5 mil reais mensais em valores reais — reflexo direto do aumento do salário mínimo, da valorização do emprego formal e da retomada de programas sociais orientados para a inclusão produtiva e o consumo interno. Ao mesmo tempo, o desemprego atingiu o menor nível já registrado no primeiro trimestre de um ano desde o início da série histórica, com taxa de 7,9%.
Esses avanços não surgiram espontaneamente: são resultados concretos de um modelo de desenvolvimento com forte presença do Estado, que voltou a coordenar políticas públicas e investimentos por meio de instrumentos como o programa Nova Indústria Brasil, o PAC, a expansão do crédito e o fortalecimento dos bancos públicos. É exatamente o contrário do que prega o manifesto da União Progressista.
A contradição mais evidente está na ambição de dobrar a renda per capita do Brasil — um objetivo legítimo e necessário — enquanto se propõe desmontar as estruturas estatais responsáveis por gerar empregos, elevar a produtividade, distribuir renda e garantir acesso a serviços públicos básicos.
A nova agremiação partidiária, que compõe o governo Lula, compara a estagnação e curtos ciclos de crescimento experimentados pela economia brasileira com as realidades da China e da Índia. “O nosso crescimento acumulado do PIB nesse período de quatro décadas foi de 167%, ao passo que a China cresceu quase 3.000%, e a Índia mais de 1.000%!”. Vejam só, China e Índia, justamente dois países onde o Estado tem papel central na indução do crescimento, na inovação tecnológica, na educação, na infraestrutura e no planejamento de longo prazo.
Como o Brasil poderia se aproximar do PIB per capita dessas nações adotando uma agenda que enfraquece o Estado e transfere responsabilidades cruciais para o setor privado? Soa esquizofrênico. E mais, a privatização da saúde, da educação, da segurança e da assistência social, previstas no manifesto da federação, irá reduzir ou ampliar as desigualdades históricas que ainda marcam a sociedade brasileira?
O país precisa de reformas, sem dúvida, mas elas devem partir de um diagnóstico honesto da realidade. O Brasil tem mostrado capacidade de crescimento com inclusão social e estabilidade institucional, e isso tem acontecido com o Estado como indutor e articulador do desenvolvimento. O verdadeiro desafio, portanto, não é liberar o país das “amarras” do setor público, como propõe o manifesto, mas fortalecer as bases públicas que sustentam a economia e a democracia.
É louvável que partidos políticos se unam para oferecer direções ao país. Mas para que sejam críveis, precisam respeitar a realidade dos dados e das experiências concretas – dentro e fora do Brasil. Prosperidade se constrói com Estado eficiente, presente e estratégico. Desmontá-lo é caminho já testado – e reprovado.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.