As medidas anunciadas nesta semana — com a tributação de criptoativos, a revogação de isenções para LCI, LCA, CRI, CRA e debêntures incentivadas, e o aumento da alíquota sobre o JCP — foram recebidas como mais um capítulo da escalada tributária brasileira. Mas talvez seja mais exato tratá-las como o sintoma visível de um problema mais profundo: a insistência do Estado em preservar privilégios e postergar reformas. O IOF, com seus 6,38% sobre operações cambiais, tornou-se apenas o cartaz de uma estrutura fiscal que se aproxima da exaustão.
O arcabouço aprovado em 2023 prometia equilíbrio entre responsabilidade fiscal e proteção social. No entanto, o que se observa é o oposto: crescimento das despesas obrigatórias, reoneração seletiva, preservação de renúncias ineficientes e, agora, um cerco a instrumentos de poupança, financiamento e investimento produtivo. Em vez de cortar gastos, optou-se por tributar mais.
Segundo o Tesouro Nacional, o gasto primário do governo federal cresceu 14% em termos reais nos últimos 12 meses. A arrecadação também aumentou, impulsionada pela recuperação da atividade e por receitas extraordinárias. Ainda assim, o déficit permanece. A raiz do problema, portanto, não está na receita, mas na rigidez estrutural da despesa.
Para agravar o cenário, foi sancionado nesta semana um novo reajuste para servidores públicos federais: 9% em 2025 e mais 9% em 2026. O impacto orçamentário será de R$ 17,9 bilhões já no próximo ano, chegando a R$ 26,8 bilhões em 2026 — com custo acumulado de quase R$ 74 bilhões em três anos. Trata-se de uma expansão de gasto permanente num contexto de risco fiscal crescente.
O contraste com o esforço exigido do setor privado é evidente. Enquanto empresários e investidores enfrentam o aumento do custo do capital, insegurança regulatória e instabilidade macroeconômica, o Estado amplia seus compromissos sem qualquer contrapartida de eficiência. A nova Medida Provisória, ao alterar o regime tributário de instrumentos como LCI, LCA e JCP, compromete a previsibilidade de setores essenciais ao financiamento da habitação, do agronegócio e da infraestrutura.
No caso dos criptoativos, a equiparação à renda fixa pode fazer sentido do ponto de vista da isonomia. Mas, sem uma estratégia coordenada de governança, como a proposta pelo regulamento europeu MiCA e pelas diretrizes da OCDE, o risco é impulsionar a informalidade e afastar investimentos em inovação tecnológica.
Não se trata de um juízo ideológico sobre o tamanho do Estado. Trata-se de reconhecer que um Estado que gasta mal cobra mal — e pune quem produz. O Banco Mundial, em relatório recente sobre a América Latina, advertiu que reformas fiscais sustentáveis exigem reavaliação periódica da despesa e eliminação de distorções que desestimulam o investimento. O FMI, no Monitor Fiscal de abril, reforça que países com forte rigidez orçamentária devem priorizar o lado da despesa para preservar a confiança do mercado e o crescimento de longo prazo.
A reação do mercado brasileiro não surpreendeu: queda da bolsa, alta dos juros futuros e aumento do risco-país. A desconfiança não decorre da ausência de medidas arrecadatórias, mas da ausência de compromisso com a reorganização da máquina pública.
Não faltam exemplos de como enfrentar esse dilema. O Canadá, nos anos 1990, promoveu uma ampla reestruturação orçamentária com corte de gastos, redesenho institucional e diálogo federativo. Portugal investiu na profissionalização do serviço público e na avaliação de desempenho. O Chile adotou uma regra fiscal baseada na média da arrecadação em ciclos anteriores, blindando o orçamento da volatilidade política.
No Brasil, há boas propostas na mesa. A ideia de um corte linear de até 30% nos subsídios, sugerida pelo ministro Renan Filho com base na experiência de Alagoas, precisa ser levada a sério. A reforma administrativa, conduzida pelo deputado Pedro Paulo, é outro passo essencial. Mas ambas enfrentam resistências conhecidas — e ainda carecem de endosso firme do Executivo.
A arrecadação pode sustentar o presente, mas apenas a reforma sustenta o futuro. Persistir no modelo atual é como insistir em construir sobre terreno instável: a conta sempre chega — e cobra com juros. A responsabilidade fiscal, no fim, não é uma escolha ideológica. É um pacto com o país que queremos ser.