O som das rajadas, de tiro pesado e em sequência rápida, causa pânico. Famílias ficam sitiadas dentro de casa. Passageiros se encolhem dentro de ônibus, motoristas largam os carros, se escondem nas muretas, muitos se jogam no chão, presos em meio ao fogo cruzado. É o reflexo de mais uma operação no Complexo de Israel, na Zona Norte do Rio, com cenas que se repetem: vias expressas interditadas, transportes suspensos, escolas fechadas e inocentes feridos. Quatro pessoas foram atingidas a caminho ou saindo do trabalho.
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Tudo começou por volta das 6h de ontem. Um tiroteio intenso em comunidades do Complexo de Israel, alvo de uma megaoperação da Polícia Civil, interditou a Avenida Brasil por uma hora e 20 minutos e a Linha Vermelha por quase duas horas, na altura de Vigário Geral. Esta foi a quinta operação no conjunto de favelas que fecha vias expressas desde outubro do ano passado. Um carro que passava pela Brasil foi atingido no para-brisa e no vidro lateral — o motorista só não foi atingido porque estava fora do veículo.
Passageiros em estação do BRT tentam se acalmar com oração durante tiroteio na Av. Brasil
Prece no chão da estação
Vídeos publicados nas redes sociais mostram o desespero. Em um deles, um homem aparece deitado no chão, em frente a um dos ônibus que teve um passageiro baleado. Ele fala que está sem blusa porque a roupa foi usada para estancar o sangue. “Tirei a camisa para socorrer o amigo”, diz, destacando a tensão da situação. Em uma estação do BRT Transbrasil, os passageiros se deitaram no chão e começaram a orar em meio aos tiros, pedindo proteção.
Em outubro de 2024, três pessoas morreram atingidas por disparos em um raio de até dois quilômetros. Desta vez, quase na mesma distância em linha reta, um pedestre, um motorista e dois passageiros em ônibus diferentes ficaram feridos. Segundo o delegado Carlos Oliveira, as vítimas estavam fora da área delimitada pela operação. Ele afirmou ainda que o raio de bloqueio será ampliado em futuras ações para garantir a proteção da população.
— O perímetro de segurança que nós delineamos funcionou perfeitamente. Essas lesões que aconteceram foram fora dele. A gente tem que considerar que esses bandidos se utilizam de armamento cujo projétil pode alcançar até quatro quilômetros. Eles dão tiros sem qualquer compromisso com a integridade física de qualquer pessoa — disse Oliveira.
A ação no Complexo de Israel foi feita por equipes da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE), com apoio da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) e de delegacias da capital, da Baixada e do Interior. Segundo a Polícia Civil, sete meses de investigações identificaram 44 traficantes do Terceiro Comando Puro (TCP), sem mandados anteriores e que, agora, são alvos dos agentes. As apurações revelaram uma organização criminosa altamente estruturada e armada, sob a chefia de Álvaro Malaquias Santa Rosa, o Peixão, um dos traficantes mais perigosos do estado.
O grupo atua nas comunidades de Vigário Geral, Parada de Lucas, Cidade Alta, Cinco Bocas e Pica-Pau, e, segundo a polícia, impõe seu domínio com o uso de barricadas, drones para monitoramento das forças de segurança, toque de recolher e monopólio de serviços públicos, além de promover intolerância religiosa.
— Nesta operação, tiramos narcoterroristas do anonimato. O Peixão não era alvo dessa investigação, e sim pessoas que se escondiam nas sombras e agiam sem botar suas caras. Hoje eles são conhecidos — explicou o secretário de Segurança, Victor Santos.
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Até o início da tarde de ontem, 20 pessoas haviam sido presas — nove delas em flagrante. Um deles, capturado em Parada de Lucas, é um soldado do Exército que exercia função estratégica na quadrilha de Peixão. Oito fuzis, duas pistolas, granadas, coquetéis molotov e munição foram apreendidos.
— São pessoas diretamente chefiadas por Peixão, que organizavam manifestações contra a polícia, construíam barricadas e até planejavam abater helicópteros das forças de segurança. Hoje, um deles foi preso portando uma luneta, usada para mirar aeronaves — afirmou o secretário de Polícia Civil, delegado Felipe Curi.
Dois imóveis que funcionavam como abrigos para traficantes e ponto estratégico de ataque nas comunidades de Parada de Lucas e Vigário Geral foram demolidos ontem. Um deles era uma falsa igreja. A sala tinha um buraco numa parede voltada para a rua. A seteira — como são chamadas essas frestas — servem como apoio para armas; assim, os disparos são feitos com maior precisão. Segundo a polícia, outras edificações com a mesma finalidade devem ser demolidas, conforme autorização judicial.
A circulação do BRT Transbrasil, de trens do ramal de Saracuruna e de pelo menos 50 linhas de ônibus foi afetada. As aulas foram suspensas em 21 escolas da rede municipal, onde estudam dez mil crianças e adolescentes. Uma delas, a Cruzada São Sebastião, em Parada de Lucas, ficou com dezenas de marcas de tiros no muro, e estava há três dias sem funcionar, segundo a Secretaria de Educação, por causa de sucessivas operações policiais. Quatro unidades de saúde do município fecharam e outras duas não fizeram atividades externas.