O Censo 2022 trouxe uma surpresa para quem acompanha a evolução dos segmentos religiosos no Brasil: houve uma desaceleração no ritmo de crescimento dos evangélicos, o que já levou especialistas no tema a rever suas projeções para as próximas décadas.
Imaginava-se que, a esta altura do século 21, os brasileiros que professam alguma fé evangélica teriam alcançado cerca de um terço do país —hipótese razoável quando se considera que o contingente era de 6,5% em 1980 e saltou para 21,6% em 2010. Mas não foi o que aconteceu.
De acordo com os dados que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) acaba de divulgar, os evangélicos são 26,9% da população. Constituem, assim, o segundo maior bloco religioso, atrás dos católicos, que montam a 56,7%. Ambos os grupos ficam muito à frente de espíritas (1,8%) e de praticantes da umbanda e do candomblé (1%).
Mas há uma imprecisão no recorte. O “bloco” não deve ser entendido como um grupo homogêneo de pessoas que manifestam a religiosidade da mesma maneira.
Sabe-se há bastante tempo que, entre os católicos, a fé se expressa de modos muitos distintos, a ponto de ser conhecida a figura do “católico não praticante”. Entre os evangélicos, a existência de inúmeras denominações talvez seja a evidência mais óbvia contra interpretações monolíticas.
Uma pesquisa do Datafolha em junho de 2024 captou bem essa diversidade. Depois de ouvir eleitores paulistanos que se declaram evangélicos, o instituto identificou divergências expressivas entre a opinião dos entrevistados e algumas pautas que o bolsonarismo defende para supostamente contentar esse público.
Mas isso não significa que inexista uma aproximação, e é natural que Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados procurem explorá-la eleitoralmente. Até porque outra pesquisa do Datafolha, esta de 2022, mostrou que 49% dos brasileiros dizem dar muita importância à religião ou à fé do candidato na hora de definir o voto.
Cientes disso, faz tempo que políticos de todos os partidos se lançam em romarias nas eleições. Visitas desse tipo costumam proporcionar gafes e cenas de hipocrisia explícita, mas, como regra, fazem parte do jogo democrático.
O que não se pode aceitar é que a laicidade do Estado seja questionada. Os cidadãos têm o direito de escolher sua crença, e o poder público tem o dever de respeitar todas elas, pouca importa o tamanho que alcancem. Como o Censo mostra, a demografia muda, e um grupo majoritário hoje pode ser minoritário amanhã.
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