Atribui-se ao antropólogo Rubem César Fernandes a frase que resume o exercício do catolicismo no Brasil: “muito santo, pouco padre, muita reza, pouca missa”. Fincado em raízes históricas, o jeito do fiel brasileiro se relacionar com a tradição religiosa importada pelos portugueses permitiu que a fé fosse manifestada nas festas tradicionais, nas promessas aos padroeiros das comunidades e nos grupos de oração. A liturgia das paróquias ficava em segundo plano, relegada às ocasiões especiais, como casamentos e batizados.
Nesse sentido, a tradição católica brasileira se aproxima naturalmente da doutrina protestante que prega uma ligação direta com Deus, a partir da reforma de Martinho Lutero e João Calvino, no século XVI. Não foi com enorme resistência, portanto, que os católicos abriram espaço para a entrada mais da religião evangélica em suas vidas, principal movimento observado desde a década de 90 no Brasil.
Os dados do Censo de 2022, confirmam a tendência de intenso trânsito religioso, sobretudo entre os seguidores do cristianismo, mas com reflexos para outra tradições. Ainda predominante, com 56,7% do total da população, o catolicismo se comporta como “doador universal”, enquanto os evangélicos se firmam como principais beneficiados.
Especialistas e estudiosos do assunto costumavam ver aceleração desse movimento, nos últimos anos, com base em pesquisas e levatamentos não censitários, ou seja, sem contagem total da população. Nas contas do demógrafo José Eustáquio Alves, com o ritmo acelerado, o Brasil iria se tornar um país de maioria evangélico, em 2032. Agora, com a queda na aceleração, considera-se que a virada deve ocorrer apenas em 2049.
Já o aumento de 1,3 ponto percentual dos “sem religião”, demonstra em números a obseravação sobre o catolicismo feita pelo antropólogo francês radicado no Brasil, Pierre Sanchis, de que “há religiões demais nessa religião”. Composto minoritariamente por ateus e principalmente por pessoas que circulam entre igrejas e até entre credos, este segmento é o terceiro maior na sociedade brasileira, com 9,3%.
“Todos esses atores estão num mercado de concorrência. A Igreja Católica tem um poder de mobilização muito grande ainda, mas se vê muitos outros atores envolvidos em suas atividades, como no Círio de Nazaré, uma festa maior do que o rebanho católico”, aponta Clemir Fernandes, sociólogo, diretor adjunto do ISER , o Instituto de Estudos da Religião. “a Igreja católica poderia perder muito mais, se não fossem ações recentes para tentar conter essa queda, que se intensificarão nos próximos anos”, diz