Um relatório recente intitulado Educação Sob Cerco: as escolas do Grande Rio impactadas pela violência armada, produzido pelo Unicef em parceria com o Instituto Fogo Cruzado, a Universidade Federal Fluminense (UFF) e o Centro para o Estudo da Riqueza e da Estratificação Social, revela dados alarmantes sobre o impacto da violência armada nas escolas da região metropolitana do Rio de Janeiro.
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Em entrevista ao Estúdio CBN, a socióloga e diretora de Dados e Transparência do Instituto Fogo Cruzado, Maria Isabel Couto, explicou que quase metade das escolas públicas de ensino fundamental e médio da região estão localizadas em áreas controladas por grupos armados. Isso corresponde a aproximadamente 1.800 instituições, onde estudam mais de 800 mil alunos.
“A gente está falando de 1.800 escolas, onde estudam mais de 800 mil alunos. Ou seja, é grave, é muito grave. Por isso que a gente chama esse estudo de Educação sob Cerco, porque não dá mais para fingir que a educação no Rio de Janeiro não está sob cerco do crime organizado.”
O estudo também mostra que, nos últimos 16 anos, o território controlado pelo crime organizado na cidade mais que dobrou, passando de cerca de 200 km² para quase 500 km². Essa expansão explica a frequência de tiroteios em áreas ainda não oficialmente dominadas
Maria Isabel destacou que desde 2020, a região metropolitana do Rio de Janeiro tem registrado uma queda na intensidade dos confrontos armados, em grande parte devido à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na ADPF das Favelas — que restringiu a realização de operações policiais em comunidades. No entanto, mesmo com essa redução no número de tiroteios, os dados revelam que a quantidade de escolas afetadas pela violência armada permanece praticamente estável.
“Medidas como a ADPF ajudaram a reduzir a quantidade de vezes que as escolas são afetadas, mas não resolveram o problema da quantidade de escolas que são afetadas. Quando a gente está falando principalmente de crianças, adolescentes e profissionais de educação, basta um tiroteio para traumatizar e para transformar a escola em um espaço de insegurança ao invés de um espaço de segurança. A gente precisa que as escolas do Rio de Janeiro sejam um espaço em que as crianças e os adolescentes se sintam seguros.”
Violência armada expõe desigualdades na Região Metropolitana do Rio
A desigualdade no impacto da violência é outro ponto destacado no relatório. Enquanto uma escola em São Gonçalo registrou uma média de um tiroteio a cada duas semanas, escolas em bairros mais abastados não sofreram esse tipo de ocorrência. Para enfrentar o problema, a especialista defende uma abordagem integrada que vá além das operações policiais tradicionais, que não têm conseguido resolver a questão do crime organizado.
“O problema do controle territorial armado não vai ser resolvido da noite para o dia. A gente certamente precisa que a educação e a segurança pública trabalhem juntas, que as instituições trabalhem juntas para trazer mais segurança para as crianças e para os adolescentes. Mas, a gente também precisa reparar os danos que estão sendo causados hoje, porque a gente não pode abandonar essas crianças e adolescentes à própria sorte.”
O relatório ainda traz recomendações ao poder público: ações emergenciais para proteger escolas, diálogo entre instituições de segurança, saúde, educação e assistência social, além de mudanças na forma como se combate o crime organizado.
“É óbvio que a gente precisa que as nossas polícias atuem e combatam o crime organizado, mas a gente precisa também garantir o direito à educação. Um direito não pode retirar o outro. Então a gente não vai chegar a uma resposta só através das forças de segurança. A gente precisa que os serviços de assistência básicos, eles também estejam sentados na mesa para discutir. Acho que esse é um passo inicial. Além disso, a gente precisa qualificar a forma como a gente faz o enfrentamento ao crime organizado no Rio de Janeiro. O mapa histórico dos grupos armados ajuda a mostrar que décadas e décadas de operações policiais, infelizmente, não resolvem o problema do crime.”